13 ago AJURIS 74 anos: A construção da Constituição de 1988 – ‘Um corte visceral com o passado recente’
Um dos temas de seminário realizado no último dia 10/8 na Escola Superior da Magistratura (ESM), a construção da Constituição Federal de 1988, que completa 30 anos em outubro, teve importante participação da AJURIS.
Ainda entre os anos de 1985 e 1986, a AJURIS se debruçou exaustivamente sobre o tema justamente no momento em que o país, após mais de duas décadas sob um regime de exceção, dava seus primeiros passos para o fortalecimento da democracia. Foram reuniões, seminários, cursos, grupos de estudo e congressos para se estabelecer as devidas discussões a cerca do que viria ser a Constituição sob a ótica de um Judiciário que se reestabeleceria como um dos Poderes de Estado. Em 1986, a AJURIS constituiu uma comissão especial com o objetivo de estudar e condensar as 75 propostas da magistratura gaúcha, que foram apresentadas numa Assembleia Geral da classe e aprovadas no Congresso Nacional de Magistrados, realizado em Recife entre 17 e 20 de setembro de 1986.
Os juízes do Rio Grande do Sul não se limitaram a apresentar propostas concernentes apenas às garantias de autonomia e resignificação de um Judiciário dali por diante independente. A Constituinte precisava, também, se concentrar no encontro de fórmulas capazes de diminuir as desigualdades em todos os níveis. Assim, a AJURIS também destacou capítulos ligados diretamente aos direitos e garantias individuais e sociais, reforçando os mecanismos de fiscalização e controle das atividades dos Poderes.
Capítulos apresentados aos constituintes:
Clique na imagem para conferir as propostas na íntegra
I – Princípios Gerais e Garantias Institucionais e Funcionais do Poder Judiciário, sobre as competências dos tribunais;
II – Organização da Justiça Estadual, conferindo autonomia dos Estados na organização de seu Poder Judiciário e Ministério Público;
III – Ingresso e Carreira no Poder Judiciário Estadual, com os critérios para tal;
IV – Justiça Federal, com a composição do STF, por exemplo;
V – Propostas Relativas ao Ministério Público, como o fortalecimento do MP nas investigações próprias;
VI – Propostas sobre Direitos Individuais e Sociais, como a assistência judiciária aos necessitados e garantia da prestação jurisdicional em todos os graus;
VII – Propostas sobre a Ordem Econômica, a Ordem Social e a Educação, como a garantia de que o salário mínimo seja capaz de assegurar aos trabalhadores a satisfação de suas necessidades normais e de sua família;
VIII – Propostas sobre Temas Avulsos, que pediam a eliminação, por exemplo, do decreto-lei, abolição do estado de emergência e limitação da atuação das Forças Armadas.
Entrevista: Ivo Gabriel da Cunha
Primeiro juiz a presidir a AJURIS, no biênio 1986/1987, o hoje desembargador aposentado Ivo Gabriel da Cunha resgata alguns momentos desse marco para a magistratura gaúcha.
O senhor era o presidente da AJURIS à época dos estudos para a elaboração da Constituição e esteve pessoalmente envolvido na Comissão de Sistematização. Como era o clima entre a magistratura naquele momento histórico que o país vislumbrava?
Ivo Gabriel: Após anos de ditadura, a redemocratização do país terminaria quando viesse a ser aprovada uma nova Constituição, restabelecendo a normalidade institucional da Nação, em especial superando toda e qualquer norma editada anteriormente que com ela viesse a ser incompatível. Tratava-se de um “corte” visceral com o passado recente. Sensível a isso, a AJURIS mobilizou-se mediante a convocação de uma assembleia geral extraordinária dos associados buscando elaborar moções que pudessem ser levadas à Constituinte como sendo as sugestões da magistratura para o capítulo do Poder Judiciário na nova Carta que se avizinhava. Desmentindo a ideia geral de que as assembleias só eram concorridas quando se tratasse de questão remuneratória, essa contou com expressivo número de colegas da magistratura. Houve toda uma preparação no âmbito das Coordenadorias Regionais e, assim, dela resultaram aprovadas diversas proposições, elencadas como sendo o pensamento da magistratura gaúcha a ser levado aos Constituintes. Pouco depois dessa assembleia geral, ocorreu um Congresso Brasileiro de Magistrados, na cidade do Recife, Pernambuco, cuja temática era exatamente a Constituinte. Então, a AJURIS nele se fez representar com grande bancada de colegas e lá apresentou as teses aprovadas antes na Assembléia Geral. Graças à mobilização intensa e à prévia preparação dos colegas, as teses foram aprovadas no Congresso e, portanto, transformaram-se em teses da magistratura nacional. Claro está que algumas das proposições (como, por exemplo, a exigência de publicidade nas sessões de julgamento e a obrigatória fundamentação das decisões judiciais) não tinham a simpatia de todos os magistrados, mas acabou prevalecendo a posição defendida pela AJURIS, mercê da mobilização e participação dos colegas gaúchos. É possível constatar, pela leitura dos textos aprovados na AGE da AJURIS e no Congresso da AMB, que várias dessas proposições vieram a integrar o capítulo do Poder Judiciário na nova Constituição, em especial, no elenco dos incisos do art. 93, sendo lamentável que até hoje não haja sido elaborada a nova e compatível Lei Orgânica da Magistratura pelo STF.
A Constituição de 1988 garantiu importantes direitos que os brasileiros hoje podem usufruir. Estabeleceu deveres também e deixou mais clara as relações entre os Poderes. Trinta anos depois, como o senhor vê os resultados daquele esforço de transformar o Brasil num país mais igualitário?
Ivo Gabriel: A Constituição de 1988 restabeleceu no Brasil uma democracia liberal e garantiu direitos até então considerados meras normas programáticas, desprovidos antes de efetividade. Como os Constituintes eram, porém, integrantes do Poder Legislativo ordinário (a Constituinte não foi exclusiva), os consensos nas discussões foram estabelecidos “dentro do possível”, sempre com a finalidade de superar obstáculos ao andamento do trabalho constituinte e de forma a viabilizar a sua conclusão. Quando o consenso não era possível, a norma delegava a solução do conflito de interesses à “lei complementar”, de certo modo repristinando o que acontecia no regime constitucional anterior. Mais grave, porém, foi a instituição das medidas provisórias, numa clara submissão a um regime de Poder Executivo forte e de esvaziamento do Poder Legislativo. Também a repartição das receitas tributárias privilegiou a União, relativizando grandemente o sistema federativo. Grave também foi a omissão da expressão das necessárias fontes de custeio para sustentar os direitos reconhecidos e a manutenção do sistema eleitoral. Hoje é possível constatar onde nos levaram essas deliberações. Na época, ouvi de um Senador frase que muito me impressionou pelo que significava de abdicação do espírito republicano. Perguntou-me ele se, a respeito de determinada matéria, havia consenso, acrescentando: independente do conteúdo, se houver consenso passa; se não houver consenso, não passa.
Qual a sua melhor lembrança daquele momento e o que representou na sua carreira dentro da magistratura?
Ivo Gabriel: Minha melhor lembrança daquele período consistiu na constatação do respeito e da credibilidade que as propostas da AJURIS mereciam no âmbito da Constituinte, uma vez que reconhecidas como baseadas no espírito público, credibilidade e respeito que, infelizmente, não eram reconhecidas a alguns outros segmentos da magistratura brasileira. Sempre acreditei que a independência do juiz não era incompatível com os ideais republicanos e que, ao contrário, a defesa deles era mesmo um dever dos magistrados. A atividade associativa permitia, como permite até hoje, veicular posição coletiva dos juízes, sempre mais forte quando oriunda do universo dos magistrados e, não, de um ou outro deles individualmente considerado, por maior mérito pessoal que pudesse ter. Assim, foi a Constituinte o foro mais elevado de que pude participar, experiência de que guardo acendrado orgulho, especialmente porque exercida em nome e em representação dos magistrados gaúchos.
Texto: Daniel Soares
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