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A redação dada pela Emenda Constitucional 66, de 2010

A redação dada pela Emenda Constitucional 66, de 2010

Não há mais requisitos constitucionais para o divórcio, ou seja, há a liberdade de o legislador dispor sobre o assunto.
A EC (Emenda Constitucional) 66 foi saudada com entusiasmo pelos operadores do Direito e pela sociedade como uma possibilidade direta e rápida de se chegar à dissolução do casamento. A maior parte dos que se debruçaram sobre o tema tem se inclinado no sentido de dar uma efetividade direta à referida Emenda, atribuindo efeito revogatório sobre a Legislação infraconstitucional. No entanto, pretendo realizar algumas ponderações para demonstrar que a Emenda, na parte que contém a regra do divórcio, tem efetividade mediata, ou seja, depende de uma mediação infraconstitucional do Direito Civil e do Direito Processual Civil.
A EC 66, que reformou § 62 do artigo 226 da Constituição Federal está assim redigida: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Este texto alberga o princípio de que o casamento é dissolúvel e uma regra, a saber, de que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio. Esta regra, contudo, comporta discussões sobre o seu alcance. Podemos resumir a partir do painel realizado pela ESM/AJURIS, do qual participei, as posições a respeito da matéria:
A) O texto contém uma norma com eficácia constitucional mediata e apenas desconstitucionalizou a matéria;
B) O texto contém uma norma com eficácia constitucional imediata, direta e revogou o direito infraconstitucional, incompatível com o divórcio a qualquer tempo, revogando, inclusive, a separação judicial;
C) Formou-se ainda uma corrente mista ou eclética que sustenta que continuam em vigor as regras da separação, que seguem o Código Civil. Quanto ao divórcio há incidência imediata, podendo ser requerido de forma direta a qualquer tempo. Tal posição (C) apresenta uma variante, que podemos expressar em (Cl): a separação continua existindo, mas sem qualquer limite temporal.
Defendo a concepção (A) de que o texto constitucional tem aplicabilidade mediata e apenas desconstitucionalizou a matéria, ou seja, o divórcio é um instituto de direito civil e a retirada de requisitos constitucionais, significa apenas que há liberdade para legislativamente conformar a matéria.
O fato de eliminar requisitos, portanto, não significa a revogação do direito infraconstitucional. Mais do que nunca, a EC 66 significa uma grande mudança: não há mais requisitos constitucionais para o divórcio, ou seja, há a liberdade de o legislador dispor sobre o assunto..
Há quem defenda que o “o direito de estar ou não casado não pertence mais ao Estado, mas sim às pessoas envolvidas nessa relação de afeto”. É bem verdade que existe um grande espaço de liberdade individual na vida afetiva, mas o casamento é exercido conforme as prescrições legais: é um ato estatal. E como tal, tem a regulamentação na forma da lei, para casar ou “descasar”.
De qualquer forma aceitar a tese do divórcio direto (sem conversão), não significa dizer que acabou a separação judicial ou extrajudicial. A separação, enquanto não abolida pelo legislador, pode ser utilizada por todas as pessoas que não queiram se divorciar por motivos religiosos, por esperança de voltar a conviver juntos, porque ela admite restabelecimento da sociedade conjugal. No entanto, para evitar incongruências temos que admitir que não haveria a necessidade de prazo para a separação.
Não haveria qualquer discussão caso a EC estivesse redigida nos seguintes termos: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio que será requerido de forma direta a qualquer tempo, por um ou ambos ou cônjuges”. Do ponto de vista político se espera que o Congresso Nacional faça o que anunciou: facilitar a dissolução do casamento pelo divórcio, mudando o Código Civil.
Gilberto Schäfer – Juiz de Direito, Mestre e Doutor em Direito Público