15 fev Zero Hora: Judiciário depende de polícia eficiente
Entrevista publicada na página 17 do jornal Zero Hora de 13 de fevereiro e replicada nos jornais Diário Gaúcho Online, Diário de Santa Maria Online e O Pioneiro Online, do Grupo RBS
Zero Hora – Na nota, o senhor afirmou que integrantes do alto escalão da Polícia Civil “estão tentando desviar o foco das suas responsabilidades e atribuir ao Judiciário a causa pela crise da segurança pública”. Por quê?
Dr. Gilberto Schäfer, Presidente da AJURIS – Vieram à tona algumas declarações na imprensa. O antigo chefe de Polícia, ao final de algumas operações, dizia que os criminosos seriam soltos logo depois, porque a lei era branda e porque alguns juízes eram complacentes. A cada manifestação, isso passou a ser reproduzido. A nossa posição é explicar para a opinião pública a função do Judiciário e dar o recado de que o governo não pode permitir que se utilize esse expediente. O policial tem o dever de prender. Quem vai dizer se a pessoa vai continuar presa ou não é o juíz.
ZH – A Justiça está soltando mais hoje do que há 10 anos?
Schäfer – Não. A Justiça está prendendo, tanto que o Presídio Central está cheio. Nas audiências de custódia, 85% das pessoas vão para a prisão. O índice é alto. O problema é que não há vagas. Só nos regimes aberto e semiaberto da Capital e Região Metropolitana temos déficit de 2,5 mil vagas. Essas pessoas estão em casa, sem o devido acompanhamento e com falta de tornozeleira eletrônica. Estamos justamente apontado isso para que o Poder Executivo tome providências.
ZH – Delegados dizem que os juízes estão sendo mais flexíveis em casos envolvendo crimes graves e mandando para casa quem deveria ficar preso. O senhor discorda?
Schäfer – Chega um momento em que inclusive quem teve crime hediondo vai progredir (passar do regime fechado para o semiaberto ou aberto). E onde está a vaga para a progressão?
ZH – Mas, em 2014, por exemplo, a Justiça mandou soltar o suspeito de estuprar uma adolescente no anfiteatro Pôr do Sol, em Porto Alegre, que havia sido preso em flagrante. Não se tratava de progressão. Isso não corrobora a crítica do “prende-e-solta”?
Schäfer – O juiz faz a sua avaliação da prova, da circunstância do inquérito. Cada caso é um caso. E quem não erra? Nesse caso, foram anexados alguns documentos depois, e o próprio juiz se retratou. O fato é que o Judiciário depende de um trabalho eficiente da polícia. Saúdo as declarações do novo chefe de Polícia Civil. Precisamos ter boa investigação e boa documentação da investigação. É nisso que o juiz se baseia.
ZH – Os inquéritos enviados ao Judiciário têm apresentado problemas?
Schäfer – O que eu sinto é que a polícia está desestruturada de pessoal e de apoio técnico. Os próprios delegados sentem isso. E isso acaba prejudicando o trabalho policial.
ZH – O prende-e-solta tem relação com inquéritos mal feitos?
Schäfer – O juiz sempre vai avaliar o que a polícia traz para ele. Temos de fazer um levantamento para saber se efetivamente está pior ou não, mas o que se nota é que a polícia está carente de estrutura. Além disso, faltam vagas nos presídios, e a lei evita que se envie mais presos para o sistema. Esses dias, não tínhamos vagas no Presídio Central, e o pessoal ficou nas delegacias. É isso que estamos tentando mostrar. Não estamos nos debatendo contra o papel dos delegados. Estamos dizendo que o governo tem de estruturar melhor a polícia, para que ela cumpra melhor o seu papel.
ZH – Sem isso, o Judiciário não tem o que fazer?
Schäfer – Não tem o que fazer. Não é uma questão de opção do Judiciário. É uma questão de falta de estrutura. Quanto à questão do prende-e-solta, é função do juiz avaliar se as pessoas devem ficar presas. E o índice de prisão é alto.
ZH – O senhor fala em índice alto de prisão, mas PMs dizem estar frustrados porque prendem criminosos e eles são soltos no dia seguinte. Então não é bem assim?
Schäfer – Não é bem assim. Vários ficam presos. Basta olhar os presídios. E um bom policial tem de prender. É a função dele. Mas o judiciário não vai descumprir a lei. O fato de um brigadiano ter se esforçado muito para fazer uma captura não tem alinhamento automático com a prisão.