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Entrevista: Professor da USP avalia uso do Judiciário para realizar mudanças sociais

Entrevista: Professor da USP avalia uso do Judiciário para realizar mudanças sociais

José Reinaldo de Lima Lopes aponta os
principais entraves enfrentados pela Justiça.

Os principais desafios enfrentados pela Magistratura pautam entrevista do doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), José Reinaldo de Lima Lopes, concedida ao Departamento de Comunicação da AJURIS. O XI Congresso Estadual de Magistrados terá como tema, justamente, Efetivar direitos: o desafio da Magistratura. Entre os assuntos tratados, o professor destaca a judicialização da saúde e da educação, segundo ele, motivada pela ineficiência dos Poderes Executivo e, principalmente, Legislativo.

 

O entrevistado também aborda o fato de, por meio do Poder Judiciário, serem colocadas em curso mudanças sociais. “Isso é um desafio muito grande, porque as mudanças legais e as mudanças institucionais são muito mais fáceis de fazer do que mudanças sociais”, frisa. O jurista foi palestrante do X Congresso Estadual de Magistrados, realizado em 2013, em Santana do Livramento. Na oportunidade, falou sobre Justiça e interpretação do Direito como desafio aos juristas. Leia sobre o evento AQUI.

O Congresso será realizado entre os dias 24 e 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay. Informações sobre inscrição, transporte, programação e o regulamento estão disponíveis AQUI. Os magistrados podem enviar teses até o dia 10 de setembro.

José Reinaldo de Lima Lopes possui graduação em Direito (1975) e em Letras pela (1978), mestrado (1985) e doutorado (1991) em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professor titular da USP em regime de dedicação exclusiva. Também foi professor fundador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas onde lecionou de 2002 a 2014. É pós-doutor pela Universidade da Califórnia, e foi professor visitante da Universidade Nacional da Colombia e da Universidade de Munique (Cátedra Rio Branco) e esteve como pesquisador visitante na Universidade de Roma I (La Sapienza) e na Indiana University. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em História e Filosofia do Direito, bem como Direito do consumidor e direitos humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: Justiça, raciocínio jurídico, história e direitos de reconhecimento.

Na sua opinião, quais são os principais desafios da Magistratura atualmente?

Acho que há dois desafios, não só da Magistratura, mas dos juristas em geral no Brasil. O primeiro é a mudança muito rápida e radical que a gente está passando da cultura jurídica. Quero dizer com isso, que a gente está se descolando de um modelo de fazer doutrina, de fazer teoria do Direito e de fazer interpretação das leis, que é um modelo muito tradicional e vinculado ao Direito escrito e nós estamos passando para um modelo mais americano, mais casuístico. E não somos só nós, é o mundo inteiro. Então, esse é um desafio importante. O segundo desafio eu diria que é, no que diz respeito aos direitos, o seguinte: nós estamos querendo por meio do Direito – e nos valendo muito do Judiciário – fazer mudanças sociais, ou seja, criar não apenas um mercado, não apenas instituições, mas um modo diferente de a sociedade brasileira interagir, digamos. E isso é um desafio muito grande, porque as mudanças legais e as mudanças institucionais são muito mais fáceis de fazer do que mudanças sociais, seja na estrutura da sociedade, seja na percepção que as pessoas têm das relações sociais das sociedades.

Diante dessa realidade, como projeta o rumo que o Judiciário deve seguir?

O Judiciário é uma instituição muito curiosa na sociedade, porque ele não tem poder de agenda. O Judiciário não determina aquilo que vai receber. Há algum poder de agenda nos tribunais superiores. Então, o que eu acho que vai acontecer é que ele vai ser crescentemente demandado e vai ter que encontrar a sua maneira de reagir a essa demanda. Algumas coisas estão começando a aparecer, não sei se são as melhores soluções, mas temos há algum tempo já uma linha que acha que devemos mais conciliar do que julgar os conflitos. Então, essa é uma tendência, o Judiciário vendo a imensidão da tarefa resolve abdicar de parte dessa tarefa ou conduzir essa tarefa por meio de uma espécie de terceirização. Mas é muito difícil prever (o futuro do Judiciário).

Um dos pontos que serão abordados no Congresso é a Judicialização da Saúde e da Educação. Quanto essa questão prejudica a prestação jurisdicional?

Essa tarefa é importante, mas o que me parece é que não estamos organizados institucionalmente para passar essa tarefa para o Judiciário. Então, se ele realmente estiver disposto a assumir essa tarefa, vai ter que mudar muito. Vão ter que criar, por exemplo, eventualmente, varas especializadas, porque essas questões vão sempre exigir do juiz um cálculo que não é simplesmente o julgamento do lícito e do ilícito. Estou convencido de que é uma tarefa distributiva e, para fazer a distribuição, é preciso de cálculos sobre o valor que estou distribuindo e não só, você mencionou a saúde, a gente pode mencionar a previdência, outros bens públicos, eu tenho um cálculo a ser feito de caráter transgeracional ou intergeracional. Não posso tirar das gerações futuras essas coisas. É bastante complicado, acho que vai exigir que o Judiciário pense institucionalmente como ele se organiza.

Como avalia o fato de as pessoas precisarem procurar o Judiciário para assegurar direitos?

O direito que a pessoa tem, nesses casos, não é um direito determinado. Esse é o problema. Em um caso determinado, como por exemplo, a correção de um cálculo de previdência, o Judiciário não está propriamente criando nada de novo, está aplicando a lei. Isso não vale para aqueles casos em que ele vai rever os critérios pelos quais a regra foi feita. Eu diria que é o caso muito típico da saúde, que quando o Judiciário dá um remédio que não está na lista, está mudando o critério para todos. Não está concedendo um direito, está concedendo um direito que depende de mudar a regra pelo qual o direito é concedido. Isso é bastante complicado. Isso é resultado, em parte, da ineficiência dos outros poderes no Brasil, particularmente, do Poder Legislativo. O Poder Legislativo no Brasil está entrando numa espécie de delírio, em que eles não têm consciência do seu papel como estadistas e isso é muito grave, e, sobretudo, não têm consciência da espécie de demanda ou mesmo de direitos que eles devem representar. Aí é um problema que vai muito além do Poder Judiciário, é um problema do Estado brasileiro.

E essa ineficiência dos outros poderes acaba sobrecarregando o Judiciário?

Acho que sim. E hoje, sobretudo, o Legislativo tem esse problema. O Legislativo, por causa do sistema político brasileiro, não é mais responsável politicamente. As eleições não são mais um momento em que se possa efetiva e realmente revogar mandatos, por exemplo. Eles se perpetuam e a gente não soube lidar com isso e essa perpetuação criou uma espécie de grupo insensível às demandas e às mudanças da sociedade brasileira. Nós vamos para o Judiciário. O Judiciário é o poder mais acessível nesses termos. Qualquer um com um advogado encaminha o seu pedido para uma instituição do Estado, que é, pela sua própria Constituição, obrigado a dar uma resposta. Se a resposta é boa ou má, positiva ou negativa não vem ao caso, mas entra diretamente. E isso não acontece nos outros poderes, particularmente, eu diria no Legislativo. No Executivo, também tem instâncias em que as pessoas podem fazer suas reivindicações. Eu posso apresentar a minha reivindicação ao INSS ou eventualmente em uma secretaria de Estado qualquer. No Parlamento, eu não posso, mas o Parlamento é o responsável pela definição dos critérios.

O que deveria funcionar e não funciona no Legislativo? Como deveria ser?

Estamos vendo o que está acontecendo hoje. Eles estão com uma pauta, por exemplo, no Congresso brasileiro explícita que é do ponto de vista da República, da democracia e dos interesses do cidadão uma pauta menor, que é transformada em uma pauta grande. É a pauta dos costumes. É uma pauta muito importante em termos de direitos civis, mas estão transformando isso na única pauta que eles têm midiaticamente interesse. Há uma série de outras coisas importantes em andamento no Congresso que do ponto de vista da mídia desaparecem, mas também que o próprio Congresso, às vezes, não leva a sério. Por exemplo, a reforma política, a inserção do Brasil na economia internacional, todas essas questões não aparecem. E temos um grupo muito ativo, esse grupo dos fundamentalistas, que está colocando na pauta questões que são menores.

 

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