08 jun Magna Carta completa 800 anos sem um único simpósio para comemorar a data, por Newton Fabrício
Artigo de autoria do desembargador, Newton Fabrício, publicado no dia 5 de junho na revista eletrônica ConJur.
15 de junho de 1215. Os barões ingleses obrigam João Sem Terra a assinar um documento que entraria para a História com o nome de Magna Carta. O rei, porém, não cumpre a sua palavra: assim que os barões se retiram, ele deixa claro que não pretendia cumprir o que assinara. A guerra civil, como era óbvio, estava prestes a eclodir. João Sem Terra pede a ajuda do Reino da França para manter a coroa e impor a sua vontade – e, naturalmente, aumentar mais uma vez os impostos. João Sem Terra não perdeu, porém, apenas a coroa: perdeu também a vida, pouco mais de um ano depois de assinar a Magna Carta.
Nem João, nem seu irmão Ricardo nasceram para serem reis. Dentre os homens (na Inglaterra da época, as mulheres não podiam ocupar o trono), João era o quinto filho do Rei Henrique II e de Leonor de Aquitânia; Ricardo, o terceiro. Logo, nenhum dos dois poderia sequer sonhar que um dia herdariam a coroa. Mas, a vida, com os seus destinos incertos, surpreendeu a ambos – morreram cedo os irmãos mais velhos, Guilherme e Henrique (e, mais adiante, também Geoffrey, o quarto filho homem do casal), e o cetro e a coroa do Reino da Inglaterra caíram nas mãos de Ricardo – que, na realidade, praticamente sempre morou na França, no ducado da Aquitânia, então de domínio inglês.
O que fez Ricardo, ao tornar-se Rei? Endividou a Inglaterra e partiu para a Terra Santa, para recuperar Jerusalém, naquela que se tornou conhecida como a Terceira Cruzada. Ricardo não recuperou Jerusalém, mas conquistou o apelido de Coração de Leão. No retorno, após restar preso mais de ano, os ingleses pagaram o seu resgate, mediante uma quantia vultosa, ao Rei Guilherme VI, da Alemanha, com o que finalmente chegou à Inglaterra. Em poucas semanas, reconquistou o trono inglês, usurpado por João Sem Terra, partindo novamente para a França.
A vida dos dois irmãos foi muito diversa, assim como a morte. Ricardo Coração de Leão teve a morte digna de um rei do auge dos tempos da cavalaria: um flechaço no lado esquerdo do peito, em plena batalha, montado no seu cavalo e liderando o ataque ao Castelo de Châlus. O pobre João Sem Terra, por sua vez, teve um fim miserável. Durante a campanha empreendida com o seu exército, tentando recuperar a coroa e o cetro que perdera, teve um ataque de disenteria. Disparou, então, para o mato, onde morreu em prosaica situação.
Ricardo Coração de Leão é até hoje cantado em prosa e verso na Inglaterra, onde praticamente nunca viveu – e sequer sabia falar inglês. Por sua vez, João Sem Terra entrou para a História como um pobre diabo que queria ser rei – mas que nada fez de bom, útil ou digno de respeito ou consideração.
Oitocentos anos depois, me ponho a pensar: se não fossem os abusos e a ganância por impostos de João Sem Terra e a Magna Carta não teria surgido, em 1215. Não foi, então, sem nenhuma utilidade a vida do pobre João Sem Terra. Afinal, ainda que por vias transversas, foi ele que propiciou as condições para que os barões ingleses se revoltassem e exigissem a assinatura da Magna Carta, limitando o poder do rei.
Dessa reflexão, só me resta uma perplexidade: nunca, como agora, o Direito Constitucional esteve em tanta evidência. No entanto, na data marcante dos 800 anos do nascimento e assinatura da Magna Carta, documento primordial na História do Constitucionalismo, não há um único simpósio ou ciclo de estudos para celebrar esse fato histórico.
Newton Fabrício
Desembargador