16 fev Viva a democracia, por Rute Rossato
Artigo de autoria da diretora do Departamento de Comunicação Social, Rute dos Santos Rossato,
publicado na Coluna da AJURIS no jornal O Sul dessa segunda-feira (16/2).
Desde junho de 2013, temos visto alguns manifestantes de extrema direita pedindo a volta da ditadura militar. Os gritos de ordem surgiram em forma de protesto de grupos minoritários, espécie de caricatura daquelas manifestações do início dos anos sessenta, em que alguns entoavam cânticos religiosos, com seus rosários e bíblias nas mãos e outros faziam discursos inflamados em defesa da família, pátria e propriedade.
O medo do comunismo foi a motivação para a maioria dos homens e mulheres simples que participavam da marcha. Cristãos e tementes a Deus acreditavam que a ameaça vermelha somente poderia ser contida pelo pulso firme dos militares.
Nesse contexto, teve início o período mais triste da nossa História. O presidente eleito democraticamente foi destituído e o país passou a ser governado pelos militares, que tomaram gosto pelo Poder. O que era provisório passou a ser permanente e aos poucos foi se estabelecendo um regime de exceção inspirado nos mais cruentos regimes ditatoriais. O Congresso Nacional foi fechado; as universidades esvaziadas; a imprensa amordaçada; intelectuais, artistas, estudantes e jornalistas desapareceram, foram presos, torturados, mortos ou exilados. Ainda hoje, não se sabe o paradeiro de muitos desaparecidos, apesar do exaustivo trabalho da Comissão da Verdade. Qualquer manifestação contrária ao governo era duramente reprimida. A censura era exercida com mãos de ferro na seara da cultura, produção intelectual e jornalismo. Em contrapartida, a propaganda oficial mostrava um país em franco desenvolvimento, com suas obras monumentais, inúteis e superfaturadas, como a transamazônica. Foi nesse período que algumas empreiteiras envolvidas na operação Lava-Jato se desenvolveram. Mas a corrupção verde-oliva, obviamente, não poderia ser investigada e nem noticiada, já que não havia imprensa livre e instituições independentes. Enquanto a dívida externa do Brasil triplicava, as crianças cantavam na escola “Esse é um país que vai pra frente”, cânticos que abafavam os gritos de pavor que ecoavam dos porões da ditadura.
A história já é bem conhecida de todos. Por isso, surpreende que ainda hoje algumas pessoas clamem pela volta da ditadura, sob o pretexto de dar fim à corrupção. É compreensível que o cidadão comum, que trabalha e vive dentro da legalidade, fique estarrecido e indignado com as notícias recentes sobre a corrupção praticada de longa data na Petrobrás, mas nada justifica o retrocesso. É preciso compreender que a abertura democrática foi conquistada a duras penas. Muito se lutou pela anistia e redemocratização do país, e não foram poucos os brasileiros que perderam a vida porque queriam construir um país mais livre e igualitário para todos, até para que as minorias possam se expressar livremente, mesmo que seja pedindo o retorno da ditadura.
A solução para a crise requer o fortalecimento das instituições e não a sua supressão. A democracia não é uma obra perfeita e acabada. Ela deve ser construída todos os dias. Precisamos estar atentos e vigilantes para que esse passado de barbárie não retorne nunca mais.
Rute dos Santos Rossato
Juíza de Direito