17 out ‘Quem matou Odete? Provavelmente, não saberemos’, por Jayme Weingartner Neto
Perdão pelo apelo, pouco original em tempos de economia da atenção. Vamos falar de assassinatos, um tema, para dizer o menos, desagradável. Em 2024, foram 44 mil no Brasil (o número está em queda há mais de dez anos, uma boa notícia). Mas a taxa está em 20,8 por 100 mil habitantes, muito acima do aceitável.
Pior, dos acontecidos em 2023, apenas 36% dos casos foram esclarecidos até o final de 2024 (Onde Mora a Impunidade, Instituto Sou da Paz; em dez anos, a elucidação oscila entre 35% e 44% – a média mundial é de 63%; nas Américas, o pior dos continentes, 43%). Significa que, dos homicídios registrados em 2023, dois a cada três não tinham, no final de 2024, nem uma pessoa denunciada pelo Ministério Público. E seria útil saber mais das vítimas.
Esse indicador é o mais próximo de uma estatística nacional e abrange 17 Estados. O RS, com outros nove, não está contemplado, provavelmente pela dificuldade de extrair automaticamente dos sistemas a data do homicídio. Onde há informação, descobrimos que o Distrito Federal tem 96% de casos resolvidos, contra 13% na Bahia.
Seja como for, somos pouco eficientes neste campo, o que se reflete, diretamente, nos presídios: apenas 13% dos mais de 670 mil detentos estão presos por homicídio – a maioria responde por crimes contra o patrimônio (40%) e relacionados a drogas (31%), nos quais há mais flagrantes, fruto da prioridade no policiamento ostensivo (em detrimento da investigação?) e talvez de certas invisibilidades construídas (o quê, afinal, e quem combater?).
Muitas vidas perdidas, quanta dor, impunidade. O Atlas da Violência (IPEA/Fórum Segurança Pública) informa que 135 mil casos não foram elucidados entre 2013-2023. Sei do empenho das polícias e do MP para aperfeiçoar a sistemática.
Minha reflexão: precisamos, coletivamente, melhorar este enfrentamento. Para além daquele simplório “a Polícia prende, o Judiciário solta”, tornar a investigação mais inteligente e técnica, repensar prioridades, perceber que o mero aumento de pena (a do feminicídio já está em 40 anos) não impacta diretamente nestes problemas objetivamente descritos.
Jayme Weingartner Neto
Desembargador Tribunal de Justiça do RS e professor da Escola de Direito da PUCRS
Publicado na edição de 17/10/2025 do jornal Zero Hora