24 abr Opinião: A cartilha dos corruptos, por Afif Simões Neto*
Não faço a menor ideia de quem possa ter sido o atilado jurisconsulto penalista que elaborou a cartilha processual dos corruptos, mas bem que poderia ter dado uma caprichada melhor, pois a peça-luzeiro precisa com urgência de um upgrade. Está ultrapassada, talvez pelo uso continuado, e até entendo que a culpa não seja do silabário, mas do acúmulo de seguidores, com crescimento vertiginoso, até de forma desordenada. Se a corrupção no Brasil é endêmica ou epidêmica, pouco importa, mas bem que os salafrários poderiam ir com mais parcimônia ao pote. Afinal, ele sempre estará à mão de semear lá no final do arco-íris, tanto faz se o governo joga pela direita, pela esquerda ou simplesmente distribui o jogo pelo meio de campo.
Passo seguinte do livrinho: mesmo que apareça um vídeo mostrando, com uma clareza capaz de cegar, o exato momento em que a propina é mocozeada com indisfarçada rapidez no bolso do paletó, o corrupto deverá vir a público informar que tudo não passou de grotesca montagem orquestrada para prejudicá-lo. Obra da oposição irresponsável e vingativa. Para que tudo seja devidamente esclarecido, brada o pervertido pela realização de perícia técnica, a ser feita por alguém isento, preferentemente por ele indicado.
Ultrapassada, sem sucesso, a fase da negativa da autoria, e não podendo a parte visual e telefônica da delação ser desmentida, manda a cartilha que o corrupto siga o caminho do choro. Chorar muito do alto de uma tribuna, copiosamente, de fazer barro. O povo não suporta ver alguém chorando, que já sente pena e absolve, tal como acontece no Tribunal do Júri. E, se tudo correr bem, como manda o figurino, daqui a quatro anos o corrupto voltará à cena do crime com o dobro da votação, mais calejado, mais cuidadoso, mas com a velha sede de ir novamente ao pote, que sempre estará à mão de semear lá no final do arco-íris.
AFIF SIMÕES NETO é Juiz de Direito. Artigo publicado no jornal Zero Hora do dia 22 de abril de 2017.