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Na mídia: Diálogo é palavra-chave para controlar a violência

Na mídia: Diálogo é palavra-chave para controlar a violência

O projeto Escola + Paz, desenvolvido pela Escola da AJURIS e governo do Estado, está promovendo a capacitação nos métodos restaurativos para facilitadores escolares e, desta forma, apostando no diálogo proporcionado pelos círculos restaurativos para construir uma cultura de paz nas escolas gaúchas.

Confira a matéria feita pelo jornal Zero Hora, publicada na edição de 5 de julho de 2019. A reportagem é do jornalista Hygino Vasconcellos.

Diálogo é palavra-chave para controlar a violência

Projeto de justiça restaurativa em escolas busca resolver conflitos com conversa e criar empatia para prevenir problemas

Encravado em uma das regiões mais violentas da capital gaúcha, um colégio não consegue ficar alheio à criminalidade a sua volta. Do lado de fora dos portões da Escola Estadual Júlio Brunelli, 542 pessoas foram assassinadas no bairro Rubem Berta desde 2011, segundo o levantamento da editoria de Segurança de ZH e Diário Gaúcho. Dentro dos muros da instituição, três alunos agrediram professores nos últimos quatro anos e acabaram expulsos. Para barrar o ciclo da violência, entrou em cena um projeto de justiça restaurativa, com atenção tanto na prevenção quanto na resolução pacífica de problemas, como brigas entre alunos ou ofensas a professores.

Leoberto Narciso Brancher é referência nacional em justiça restaurativa – Crédito: Marco-Favero

Segundo o coordenador do núcleo de justiça restaurativa da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), desembargador Leoberto Brancher, a ideia é evitar que a agressividade de um aluno se torne mais intensa, a ponto de cometer crimes na vida.

– Quando se tem problema ou conflito, a gente não tem habilidade de lidar de forma não violenta. A tendência é lidar com culpa, perseguição e castigo. Isso gera muito calor e gritaria. A justiça restaurativa propõe outras estratégias de resposta. Não é passar a mão na cabeça. Em vez de culpa, que as pessoas se responsabilizem, o que pode reparar o dano – salienta Brancher.

Basicamente, o trabalho é focado no diálogo, com rodas de conversa. Quando há casos de violência, agressor e vítima chegam a ficar frente a frente. Mas é preciso atender duas exigências: a participação tem de ser voluntária e o autor deve assumir a responsabilidade da ação. Sem ambas condições, o trabalho não ocorre. Há situações, no entanto, em que o modelo não é recomendado, como em casos de estupro ou de violência doméstica (leia entrevista ao lado).

Na escola do Rubem Berta, a metodologia está sendo aplicada e, pouco a pouco, vai ganhando espaço entre professores e alunos. Segundo a diretora Vanice Loose, a intenção é fazer com que o estudante se coloque no lugar do outro e procure entender o que o colega está passando.

– É uma mudança de olhar – resume.

Em uma sala de aula, 19 crianças de oito a 10 anos se acomodam em cadeiras coloridas organizadas em círculo. A agitação é visível, mas a diretora logo controla a situação. Nas mãos de Vanice, está um pote decorado com papel adesivo, tecnicamente chamado de objeto da palavra, mas nomeado pelos alunos de baú dos sentimentos. É a partir do acessório que os estudantes sabem a hora de falar. Antes de a conversa ter início, Vanice relembra que os alunos devem contar sobre si, respeitar a vez do outro e manter a confidencialidade da conversa, ou seja, o que é dito ali fica ali. Ela também orienta os estudantes a não julgarem os colegas:

– Não preciso concordar com o outro, mas tenho de respeitar.

Valorizam mais o colega, diz diretora sobre participantes

Cada aluno é incentivado a levar um objeto que tenha significado especial. A diretora coloca um porta-retrato com foto da filha no centro da roda. Um estudante põe um carrinho de brinquedo que ganhou da avó. Outro, uma boneca. Segundo o desembargador, a construção deste centro, que é uma das técnicas empregadas, guarda relação com valores que os participantes têm em comum.

Crédito: Jefferson Botega /Agencia RBS

Na sequência, os alunos são incentivados a escolher um sentimento que queiram guardar no baú. A maior parte opta pela tristeza, motivada por questões como o pouco tempo que permanecem com os pais ou pela doença de algum parente. No final do encontro, os participantes formam um círculo de mãos dadas e, antes de se despedirem, a diretora pede que a turma siga permanentemente com a dinâmica. Segundo Vanice, é possível perceber mudanças de comportamento dos alunos a partir da técnica.

– Valorizam mais o colega. Têm mais empatia, colocam-se no lugar do outro. A gente consegue ver que os que participaram da dinâmica passam a ter mais respeito pelo outro – entende a diretora.

-Participam do projeto, chamado de Escola + Paz, 85 colégios das três cidades mais violentas do Estado: Alvorada, Viamão e Porto Alegre (nos bairros Rubem Berta, Restinga, Lomba do Pinheiro e Santa Tereza). Ainda não foram capacitados professores de 14 das 85 instituições. Com expertise desde 2005, a Escola da Ajuris foi contratada para fazer a formação dos profissionais, o que se iniciou no ano passado.

– A iniciativa utiliza a metodologia de círculos de construção da paz, idealizada na década de 1970, no Canadá, a partir de experiência com indígenas. Na época, o juiz Barry Stuart identificou que a legislação praticamente não tinha eficácia nas tribos. O magistrado decidiu conhecer as formas que eles usavam para promover justiça e descobriu que eram baseadas em conselhos, nos quais se discutiam os problemas. As rodas de conversas eram organizadas em quatro etapas: de conhecimento do outro, estabelecimento de relacionamentos, enfrentamento dos problemas e desenvolvimento de soluções. O modelo foi adaptado e se espalhou, ganhando adeptos nos Estados Unidos.

-Há dois tipos de círculos: conflitivos (quando o problema já aconteceu) e não-conflitivos (voltado para a prevenção). Nos dois casos, os participantes são organizados em rodas por um facilitador, que pode ser um professor. Cada um só pode falar quando tiver em mãos o objeto da palavra, definido previamente pelo grupo. Nos círculos não conflitivos, o assunto principal pode ser aleatório ou direcionado.

-O projeto Escola + Paz é uma iniciativa da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do RS e está inserido em uma proposta maior: o Programa de Oportunidades e Direitos (POD). Foi financiado em US$ 50 milhões pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e tem contrapartida do governo estadual de US$ 6 milhões. Segundo o secretário Catarina Paladini, o trabalho envolve desde a melhoria ou construção de espaços físicos, até trabalhos de prevenção e de ressocialização de adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas.

-O POD prevê a construção de três unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) nos municípios de Viamão, Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, e Osório, no Litoral Norte. Quando concluídas, devem ser abertas 210 vagas. Pretende- se erguer delegacia na Lomba do Pinheiro. Estão em andamento as obras de cinco Centros de Juventude, orçados em R$ 20,5 milhões, com conclusão prevista para agosto a setembro. Em Viamão, uma ala da Escola Ana Jobim está sendo adaptada para receber o Centro da Juventude, onde devem ocorrer oficinas. O colégio fica ao lado do 18º Batalhão de Polícia Militar, que ganhou novo prédio. O 20º BPM, no bairro Rubem Berta, passou por melhorias.

Governo quer levar iniciativa para as 18 cidades mais violentas do Estado

O projeto, que recebeu o nome de Escola + Paz chamou a atenção da Organização das Nacionais Unidas (ONU). Em abril, representantes da entidade vieram para o Estado conhecer a iniciativa e propostas semelhantes desenvolvidas na Serra. A aplicação de círculos de construção da paz entre estudantes começou em Caxias do Sul, em 2012, por iniciativa do desembargador Leoberto Brancher, com apoio do governo municipal. Na época de implantação, o número de adolescentes internos e que cumpriam medidas socioeducativas de meio aberto na comarca de Caxias do Sul – com abrangência em 49 municípios – era de 350. Em 2019, baixou para 135 pessoas nestas duas situações, redução de 61,42%.

A intenção do governo é ampliar o projeto Escola + Paz para as 18 cidades mais violentas do Estado (veja ao lado), dentro da área de abrangência de outra programa, o RS Seguro, lançado no final de fevereiro. Segundo o secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Catarina Paladini, a possibilidade de ampliação ocorre pelo retorno positivo do projeto e devido à perspectiva de resultados futuros.

– Nunca vamos ter vaga em presídios se a gente não trabalhar na essência, antevendo situações violentas – observa Paladini, que salienta que o projeto está sendo avaliado com o governo do Estado.

A ampliação da Escola + Paz ainda está sendo analisada e, por enquanto, não há prazo definido para ser aplicada em outras cidades, além das três em que ocorre.

Estudo aponta que há 44 programas no país

Uma pesquisa realizada entre fevereiro a abril deste ano pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou a existência de iniciativas de justiça restaurativa em 25 Tribunais de Justiça e três Tribunais Regionais Federais (TRF) espalhados pelo país. O estudo contabilizou a existência de 44 programas, projetos e ações no Brasil. Para a obtenção dos dados, foram encaminhados questionários para 27 Tribunais de Justiça e aos cinco Tribunais Regionais Federais. Apenas o TJ do Acre não respondeu às perguntas e outros três apontaram não possuir nenhum tipo de iniciativa do gênero: TJ de Roraima e os TRF2 e TRF5.

O levantamento mostrou ainda que apenas 20,5% dos tribunais que possuem iniciativas têm servidores com dedicação exclusiva para as iniciativas de justiça restaurativa. Outros 43% possuem quadro próprio de funcionários, mas com dedicação apenas parcial ao projeto.