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Entrevista: Difini avalia gestão diante do cenário de crise do Estado

Entrevista: Difini avalia gestão diante do cenário de crise do Estado

No último semestre como presidente do Tribunal de Justiça do RS (TJRS), Luiz Felipe Silveira Difini, vive novamente o desafio da tramitação da Lei Orçamentária do Estado (LOA). Desde 2015, as propostas apresentadas pelo Governo do Estado à Assembleia Legislativa são de congelamento do orçamento do Poderes. Aliada a esta questão, o Poder Judiciário, na gestão anterior, aceitou flexibilizar e aumentar o uso pelo Executivo de percentual dos depósitos judiciais, destinando também parte do spread dos depósitos aos cofres públicos.

Em entrevista concedida ao Departamento de Comunicação da AJURIS, o desembargador Difini avalia o cenário econômico e os impactos da ajuda dada pelo Judiciário aos outros Poderes, cujo impacto foi mais de R$ 200 milhões, e destaca os avanços da gestão mesmo diante dos recursos mais escassos: “Mesmo num quadro de extrema dificuldade, creio que nós conseguimos avançar muito: por um lado por controle de despesas; por outro, de aumento de receitas”.

Confira a entrevista na íntegra:

O Estado está enfrentando uma situação financeira muito difícil, que é de conhecimento de todos. Com frequência vemos o Poder Judiciário ser responsabilizado. Como o senhor avalia essa questão da situação financeira e o Poder Judiciário nesse contexto?

Difini: Existe uma crise nas finanças do Rio Grande do Sul? Existe. Agora, essa crise é de responsabilidade do Poder Judiciário? O Poder Judiciário tem 5% do orçamento. A responsabilidade não pode ser de quem tem 5% do orçamento, é de quem tem 92% do orçamento, que é o Poder Executivo.

Fora isso, a nossa participação orçamentária vem diminuindo gradativamente ao longo de mais de 10 anos. A participação do Poder Judiciário em relação à administração direta em 2007 era de 9,42%, e em 2016 foi de 7,86%. Então caiu significativamente, e , cada vez mais, nossa receita é feita de receitas próprias, que hoje já correspondem a 22,72%. Então, existe crise no Estado? Existe. Mas quem tem meios para solucionar é quem tem 92% das receitas, não quem tem 5%.

Em 2015, foi votada uma proposta do então presidente José Aquino Flôres de Camargo, em relação ao spread dos depósitos judiciais, que foi uma espécie de colaboração feita pelo Judiciário aos cofres públicos. Qual o percentual desse orçamento e o que esse valor representou no orçamento do Judiciário?

Difini: Bom, eu adotei uma posição desde que assumi, que é de olhar para frente. O que foi feito no passado, foi feito. Devo dizer que quando essa questão foi apresentada ao Órgão Especial, no ano de 2015, eu e a desembargadora Íris –  que somos os membros da atual Administração que tinham assento à época no Órgão Especial-, e mais três colegas votamos no sentido de que essa renúncia fosse feita apenas pelo ano da Administração que propunha, para que a nova Administração pudesse, enfim, encaminhar a negociação que entendesse cabível. No entanto, isso não foi acolhido, e foi feita essa renúncia pelo período de quatro anos.

No ano passado isso implicou uma renúncia de R$ 234 milhões. Num orçamento de R$ 3,71 bilhões, R$ 234 milhões implica aproximadamente 7% ou 8%  do orçamento.

E na avaliação do senhor a renúncia desse percentual teve algum impacto para a Magistratura?

Difini: Certamente. Foi uma perda de recursos de mais de R$ 200 milhões. Tanto que o ano passado não pudemos fazer obras ou nomeações, não só por causa dessa renúncia, mas também porque tínhamos o orçamento congelado e uma absoluta incerteza sobre que recurso nós teríamos este ano, pois houve toda aquela disputa em torno do duodécimo. Havia um clima de absoluta incerteza.

Evidentemente, esse valor é uma quantia muito significativa com a qual nós não pudemos contar. Mas, como eu disse, eu olhei para frente. Então, está feito. Quanto a isso, a minha opinião foi dada quando eu votei no Órgão Especial: na minha opinião, a Administração que propunha devia propor pelo seu período administrativo, sem comprometer períodos administrativos posteriores.

O senhor falou sobre essa questão da redução da Lei Orçamentária. O Estado acabou congelando o orçamento do Poder Judiciário por mais um ano. A Lei ainda não foi votada, mas já foi encaminhada na LDO.

Difini: Bom, o ano passado nós conseguimos um reajuste dos recursos do Tesouro de 7,87%, que foi algo que conseguimos com extrema dificuldade, algo que foi disputado,  mas enfim, conseguiu-se um avanço bastante significativo.

O crescimento orçamentário na verdade foi maior, porque os nossos recursos próprios cresceram mais que isso. Os recursos do Tesouro só subiram 7,87%, mas os nossos recursos próprios subiram quase 14%. Isso permitiu condições orçamentárias boas para este ano. Aliado a isso houve algumas circunstâncias: não houve aumento para a Magistratura, por questões que vem do plano federal; não houve também aumento para os servidores até agora. [Nota do editor: Na sessão do dia 9 de outubro, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do RS (TJRS) aprovou 5,58% de recomposição salarial para os servidores]

Também havia a previsão de nomeação de mais de 60 juízes a partir de abril, e isso não se concretizou por uma série de motivos. Isso permitiu que nós tivéssemos condições orçamentárias para nomear mais 500 servidores e ainda nomeamos mais 500 estagiários, todos para o 1º grau. E hoje todos os cargos de oficial escrevente vinculados às Comarcas estão providos, isso é uma situação que nunca houve no Poder Judiciário.

Mesmo num quadro de extrema dificuldade creio que nós conseguimos avançar muito: por um lado por controle de despesas; por outro, de aumento de receitas. Eu tenho absoluta convicção: quem quiser resolver a questão do Estado só pelo lado do corte de despesas, vai precarizar completamente o serviço público. Nós precisamos ter uma política rígida de despesas, e não é não gastar, mas gastar bem. É a qualidade do gasto público, é gastar naquilo que realmente presta um melhor serviço à população e não gastar naquilo que não vai ter esse efeito.

Mas nós também precisamos aumentar as receitas. Na nossa parte, aumentamos as receitas próprias em 14%.

Na avaliação do senhor isso permitiu que o Tribunal de Justiça pudesse dar continuidade a algumas questões que foram anunciadas recentemente, como a ampliação de Comarcas?

Difini: Permitiu a instalação de Varas e Comarcas, nomeação de servidores… Só para que se tenha ideia, em algumas questões como, por exemplo, arrecadação dos serviços notariais e registrais (que estão sob a direção de interinos, que ficam limitados ao teto constitucional e devem recolher aos cofres públicos aquilo que exceder a isso) a arrecadação em 2013 foi de R$ 430 mil; em 2014, R$ 306 mil; em 2015, R$ 1,145 milhão; em 2016, R$ 14 milhões; em 2017, até agosto, de R$ 28 milhões.

Nós nos dedicamos, e isso eu disse quando nos apresentamos como candidatos: os recursos do Tesouro são cada vez mais escassos, nós temos que fazer um enorme esforço para alavancar o crescimento das nossas receitas próprias. E isso se fez sem aumentar tributos, mas ampliando a fiscalização. Só no mês de agosto foram arrecadados R$ 7 milhões, a metade do que foi arrecadado no ano passado. E mais de três vezes o que foi arrecadado em 2013, 2014 e 2015 juntos.

Que medidas foram adotadas para ampliar essa arrecadação?

Difini: Basicamente fiscalização. Existe uma juíza, que é a assessora da Presidência, a Dra. Cristiane Hoppe, e um quadro de servidores que ainda é pequeno, mas nós temos a consciência que devemos alocar recursos humanos nisso, e as medidas têm sido de fiscalização, de cobrança, inclusive, com alguns casos de intervenção disciplinar, quando isto se fez necessário.

Uma das questões, que é um dos pontos críticos, se refere ao parque de Informática e a questão tecnológica. Essa renovação está sendo demandada há bastante tempo pelos magistrados. O que está sendo feito para isso? A questão orçamentária impactou em algo?

Difini: Foi feita uma licitação que vai resultar na compra de sete mil novos computadores, com duas telas, tecnologia Intel I5 – e com um preço bem mais favorável que outras aquisições feitas em passados recentes.  Sete mil novos computadores, com duas telas, tecnologia Intel I5 – e com um preço bem mais favorável que outras aquisições feitas em passados recentes.

Além disso está sendo aumentada a capacidade dos links de comunicação para todas as Comarcas, passando de 1GB para no mínimo 10GB de velocidade. Sendo feita também a estruturação do segundo datacenter, que ainda estava em processo precário (por eventos passados ocorridos), então vai dar uma estabilidade para a rede. E mais, o processo agora – que está em processo de licitação das impressoras -, mudando para o sistema opensourcing de impressão, ou seja, 55% do sistema de impressão será tercerizado, com custos mais baixos, uma economia de aproximadamente  36% e, principalmente, com ganho de produtividade, que terão assistência em cada uma das Comarcas.

E também, nesse particular, nos dispusemos a avançar no processo eletrônico. Houve alguns percalços, mas hoje eu devo dizer que na minha opinião pessoal, a melhor solução para o Tribunal é migrar para o Sistema E-Proc. Isso é uma opinião pessoal do presidente, sobre uma questão que é uma decisão estratégica para o Tribunal. Nós estamos procurando ouvir o maior número possível de colegas, pretendemos, inclusive, ouvir os colegas do 1º grau. A questão foi submetida ao Coninf [Conselho de Informática], e lá houve uma decisão por maioria, o que significa que ainda há alguma controvérsia, mas a opinião pessoal do presidente é essa. [Nota: O Tribunal de Justiça do RS (TJRS) e o  Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) assinarão nos próximos dias um termo de cooperação técnica para a cedência gratuita da ferramenta.]

Foi divulgado há pouco tempo o relatório Justiça em Números. Na avaliação do senhor, a adoção do E-Proc vai ajudar na baixa do processos?

Difini: Nossa posição no Justiça em Números é extremamente favorável. Nós, por exemplo, pelo 9º ano consecutivo, temos o melhor IPC-Jus do país. É claro que sabemos que há problemas, mas mesmo com os problemas nós temos o maior IPC-Jus, e isso é um dado comparativo. Não quer dizer que esteja tudo perfeito, pelo contrário, temos muito o que melhorar. Mas às vezes eu fico ouvindo algumas coisas que é como se o Grêmio e o Internacional fossem campeões brasileiros por nove anos consecutivos e um cronista esportivo só criticasse esse desempenho.

A legislação que foi aprovada do spread dos depósitos judiciais fixou o prazo de concessão até 2018. O senhor acha que em 2019 a gestão que estiver à frente do Tribunal vai poder contar com esse recurso?

Difini: A gestão que estiver à frente do Tribunal vai ter a oportunidade de renegociar a questão. Nada vem de graça, mas haverá uma oportunidade de renegociar que nós não tivemos justamente porque todo o período da nossa Administração estava abrangido pelo período fixado na lei, e aí não havia o que renegociar. É óbvio que depois que se cria isso, há um precedente, mas enfim, a próxima gestão terá condições de renegociar, nós não tivemos.

Quando eu defendi – e foram cinco votos -, que fosse apenas 2015, achamos que a Administração que propunha aquilo devia propor pelo seu período administrativo e deixar que as administrações que viriam adiante pudessem negociar a questão. Agora o que eu posso dizer é isso: a nova administração vai ter a oportunidade que nós não tivemos de negociar essa questão.

Para encerrar, presidente, agora encaminhando para o último semestre da gestão, o que o senhor gostaria de destacar como principal conquista?

Difini: Eu diria que todos nós temos consciência – só não tem consciência disso uma pessoa alienada da realidade – que nós somos a gestão da crise, mas enfim, em uma crise tão severa os nossos magistrados e servidores sempre receberam em dia, receberam o 13º, os servidores tiveram aumento, os magistrados tiveram alguns passivos atendidos, e os nossos serviços não tiveram paralisação.

Depois de uma instabilidade muito grande no primeiro ano, pelo congelamento do orçamento, pela perda do spread dos depósitos judiciais e pela incerteza quanto ao futuro, nós conquistamos condições orçamentárias que nos permitiram estar instalando Comarcas, estar instalando Varas, estar provendo os cartórios de maior número de servidores, e isso não fazemos pelo conforto pessoal dos nossos juízes e servidores – embora isso também seja importante -, mas para que se possa prestar melhor serviço à população, que é a destinatária dos nossos serviços.

Nossa defesa do orçamento do Poder Judiciário foi para que nós continuemos tendo números positivos no Justiça em Números, por exemplo, como Tribunal de grande porte com menor taxa de congestionamento. Para que não ocorra com a Justiça o que ocorreu com outras áreas do Estado, por essa visão do corta, corta, corta, e continua se dando incentivos fiscais, e não arrecadando aquilo que poderá arrecadar. Isto fez com que o Estado, que já teve indicadores na saúde e na educação tão bons quanto esses que temos na Justiça, tenha, em aspectos que estão sob a gerência de outros Poderes do Estado, caído. E é isso que nós queremos evitar, ao contrário de cair, ou ficar como estar, queremos procurar melhorar.

Ou seja, não basta só cortar.

Difini: Claro que existe uma responsabilidade com o gasto público. Gasto público não pode ser um gasto ruim, sem resultado para a população. Agora como existem inúmeras necessidades, você tem que aumentar a arrecadação. Quando você diz, por exemplo, que em 20 anos o país não vai poder investir mais em saúde e educação, mesmo que as necessidades sejam maiores, está se condenando esse país a um regresso social e é isso que não queremos.

 

Entrevista: Joice Proença
Departamento de Comunicação
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