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“A coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo”

“A coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo”

Hegel tem uma célebre passagem nos seus princípios da filosofia do Direito:

“a coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo”.

Hegel falava de toda a filosofia, mas as suas palavras valem para todo o pensamento reflexivo. O pensamento reflexivo parte de algo que é história – portanto, algo que já foi no tempo. No crepúsculo que ela se torna importante, pois é antes de mais nada uma transição, pois no crepúsculo ainda não temos a noite (Mas nos lembremos que a coruja enxerga melhor à noite).

Na compreensão, o reconhecimento, nas palavras de Hegel, não é rejuvenescimento, pois vivemos sempre para a frente. E compreender se compreende olhando aquilo que já não é mais, mas já pensando onde ir e onde queremos chegar. Sempre se tem uma dimensão de projeção temporal, pois o homem, antes de mais nada é um SER Temporal, ou seja, tem capacidade para se projetar no futuro, ao mesmo modo que é histórico e social (co-existencial).

É SER  junto com os demais.

Quando idealizamos o nosso Congresso, pensamos nele como um momento de reflexão e congraçamento.

Um momento significativo para continuar a (auto)reflexão  sobre nosso papel, a partir desta realidade múltipla, diversa e conflituosa!

E que sirva para que nos motivemos na nossa!

Entre redes e muros: juízes e seus labirintos, permite muitas analogias com o nosso mundo.

A lei que é muro e que é rede.

O direito que liberta e aprisiona.

As redes da tecnologia que permitem que nos conectemos com o mundo e ao mesmo tempo que nos isolemos em nossos quartos, em nossos guetos, com verdadeiros muros intransponíveis.

As redes que julgam mais rápido e sem qualquer critério (muitas vezes com o pior critério) e que inclusive julgam a nossa atividade.

As redes das quais participamos, como sujeitos, mas, eventualmente, entrando no embalo da grande massa!

Sempre estivemos em labirintos.

Ele nos acompanha desde os tempos das cavernas, com os monstros a nossa espreita. A criação do que entendemos por civilização é um esforço para iluminar o labirinto, e o Direito – com o nosso constitucionalismo atual e os tratados de direitos humanos – empenha-se em diminuir corredores e derrubar paredes.

Mas muitas vezes ele pode ser o espaço da surpresa, em que a razão não domina e também pode ser escrito de forma a aprisionar quem deveria libertar e a libertar quem deveria aprisionar.

Na síntese da Abrão Slavutzky, que apresenta um raciocínio que seguirei:

Labirinto é sinônimo da complexidade, da impenetrabilidade, da escuridão, de um sistema tortuoso e perigoso. (…)

Conviver com problemas, parando diante das encruzilhadas da existência e especialmente suportando as incertezas. Por isso precisamos aprender com quem devemos nos associar nas caminhadas da vida.

O mito grego do Minotauro nos ensina que para sair do labirinto precisamos de um fio condutor.  Este fio pode ser fornecido por quem construiu o labirinto, como Dédalo, mas tal como no mito, é fruto de uma confiança.

Teseu confiou em Ariadne e quando a abandona, sucumbe.

Segundo o mito, o rei de Creta, Minos, exigiu que todos os anos o rei ateniense escolhesse sete homens e sete mulheres jovens para servirem de refeição ao Minotauro que vivia no centro do labirinto.

Abro um parênteses. O Poder, muitas vezes, exige o sacrifício inútil de seres humanos, às vezes na brutalidade da violência que vitima grande parte de nossos jovens, especialmente os pobres e negros. O poder deve preservar vidas senão se torna injusto e, portanto, ilegítimo!

Teseu se oferece para desafiar o monstro. Ao chegar a Creta, conhece Ariadne, filha de Minos, que se apaixona pelo príncipe e decide ajudá-lo e dela recebe um fio condutor para saber como sair da teia de caminhos tortuosos após sua vitória. Teseu mata o monstro e consegue sair do labirinto seguindo o fio que havia deixado para sair do labirinto com seus amigos.

O fio de Ariadne, o fio salvador, passou a ser o fio da esperança, é a presença da parceria exitosa, da amizade verdadeira, do reconhecimento do outro – e nós falaríamos numa linguagem atualizada – o reconhecer o outro como ser dotado de direitos e de dignidade.

Para sair do labirinto são necessários amor e respeito a si próprio e amor e respeito ao outro.

Por isto, nesta esteira, na abertura deste Congresso proponho também a ideia de que o congraçamento, que a música, que a arte e a reflexão são excelentes para nos movermos neste labirinto.

É tudo isto que nos propomos aqui.

A amizade de quem pode nos amparar e festejar conosco as vitórias coletivas e individuais, pois nos “laços fraternos que afrouxam o nó da nossa solidão e diante da precariedade da vida, é na fraternidade que se alimenta a esperança (Abrão Slavutzky).”

Almir Sater, com uma frase completamente Hegeliana, poetiza que é “preciso chuva para florir”.

Quando reconheço em cada um a capacidade de ser feliz, de ser digno, de ser grato e respeitoso com outro, compreendo que este passo precisa ser dado por todos.  Por isso, o poeta popular continua:

E que

Cada um de nós compõe a sua história

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser feliz

Que sejamos capazes de mostrar a todos nós que podemos ser melhores e de compormos a nossa história, a história da nossa magistratura, a história do Rio Grande do Sul e a história do Brasil, orgulhosos da contribuição que temos dado.

Lembrar que no sabor das massas e das maçãs, esta é a história da terra. E a história da terra é a nossa própria história, a história do povo.

Nesta história, somos guardiões das promessas que estão na Constituição. Nesta função podemos escolher dois caminhos: podemos continuar a desvelar o novelo para chegarmos à democracia ou podemos acompanhar aqueles que procuram voltar ao monstro que a todos devora e pisa forte, monstro da escuridão e do anti-iluminismo.

Mas se queremos ser felizes, e nos mantermos unidos, precisamos construir uma democracia e um estado social. Uma sociedade não se mantém unida, conforme expressa Norberto Bobbio (o futuro da democracia), sem a justiça distributiva.

Nada mais revolucionário do que transformar a nossa constituição em uma lei viva.

Como expressa Antoine Garapon no “Guardador de Promessas – Justiça e Democracia” – estamos aqui como juízes, para sermos testemunhas e guardiões das promessas constitucionais de vida e dignidade.

E temos que afirmá-las sempre em face de todos os poderes e agentes. Esta é a nossa missão.

Gilberto Schäfer
Presidente da AJURIS e do Congresso

Discurso proferido na abertura do XII Congresso Estadual de Magistrados, realizado em setembro de 2017.