27 maio A barbárie nossa de cada dia, por Jorge Adelar Finatto
Artigo de autoria do juiz aposentado, Jorge Adelar Finatto, publicado no dia 27 de maio na coluna online de Frederico Vasconcelos, do jornal Folha de São Paulo.
A barbárie invadiu nossas vidas. A sociedade brasileira se habituou ao sangue derramado.
As agressões e assassinatos acontecem a toda hora nas ruas do país. A tragédia virou rotina nas páginas dos jornais, já não causa espanto. Virou fato normal e nada se faz para dar um basta na situação.
As desculpas são sempre as mesmas: faltam recursos para o combate ao crime, para construir prisões decentes, para a saúde, para a educação, para a moradia, para as creches, para o transporte, para o saneamento, para a alimentação, para o emprego, para a cultura, para os espaços de lazer e convivência. Mas curiosamente sobram – e como sobram! – recursos para a corrupção e a gestão temerária.
Ninguém se importa verdadeiramente, enquanto não acontece com alguém próximo. Acredita-se – ou finge-se acreditar – que a desgraça deve ser enfrentada como sendo algo pessoal. Não é.
A nossa capacidade de indiferença ultrapassou todos os limites. Vivemos uma realidade doentiamente individualista, escondidos atrás de grades e sistemas de segurança que nada resolvem.
Cada um recolhido no seu casulo de silêncio e medo, pouco se importando com o que acontece ao vizinho. É melhor nem saber.
O espaço público virou território de bandidos. À solta e agindo livremente, eles são os donos das nossas cidades. São eles que, de fato, governam dentro de suas leis próprias e de seus códigos perversos.
Os maus exemplos de conduta, que induzem todo o processo, vêm desde os mais altos escalões da vida nacional. A inexistência de um projeto de nação responsável, humano e solidário está levando o país à autofagia. O Brasil está se destruindo assustadoramente.
Enquanto isso, vende-se a ideia de que a vida vai melhorar com ajustes na economia, o que é uma visão distorcida das coisas. A vida do brasileiro só irá melhorar com educação que permita a construção de valores. Não é só uma questão de melhorar os números da economia, mas, antes e acima de tudo, de formar consciências.
Os bilhões e bilhões manejados pela corrupção demonstram que o problema primacial do Brasil está longe de ser a crise econômica, esta simples consequência dos desmandos. É, isto sim, a falta de competência, respeito e honestidade na administração do patrimônio público.
Reduzir os impasses do país, como se está tentando fazer, à mera questão econômica é, no mínimo, subestimar o poder de percepção, a inteligência e o sofrimento do povo.
A ausência de responsabilidade social e a indiferença pelo bem comum abriram as portas à selvageria e explodiram qualquer ideia de vida em sociedade em nosso país.
Teoricamente, vivemos todas as liberdades democráticas. Na prática, porém, nunca a vida foi tão agredida e desprezada.
Esta é a terrível herança que estamos construindo.
Jorge Adelar Finatto
Juiz aposentado