03 ago A nova missão do Poder Judiciário: promover a paz social, por Marcelo Malízia Cabral
Artigo do juiz de Direito Marcelo Malízia Cabral publicado
no jornal O Sul desse domingo (3/8).
Nessa forma diferente de se pensar o Poder Judiciário, os processos, as sentenças e os juizes não são as únicas ferramentas para o tratamento e para a solução de um conflito.
A imagem tradicional da justiça, construída com a superioridade e a seriedade da deusa grega Témis, que tem os olhos vendados para tratar com igualdade e edificada igualmente por juízes severos, que impõem suas decisões com o martelo em punho, vai dando lugar, pouco a pouco, a uma justiça que recebe com sorriso acolhedor, que se coloca no mesmo nível daqueles que a procuram, que ouve ativamente e de olhos bem-abertos para que possa perceber as necessidades e os sentimentos daqueles que a buscam, e que ostenta mãos estendidas para acolher outras mãos que lhe procuram, e para selar e fazer selar compromissos não apenas jurídicos, mas também éticos e morais.
Essa nova justiça, que é humana, sensível, que valoriza mais as pessoas que os papéis, que fala e deixa falar, que ouve e se faz ouvir, que possibilita o diálogo igual e respeitoso, que cultiva e dissemina a empatia, a responsabilidade, o entendimento e a paz, começa a ser cuidadosa e prudentemente construída.
Para que essa construção coletiva pudesse ocorrer foi necessária a ruptura de um milenar paradigma: em lugar de cingir-se à prestação da tutela jurisdicional, ou ao julgamento de processos, a missão do Poder Judiciário passa a ser bem mais ampla, a de promover a pacificação social.
Nesse novo modelo de justiça pacificadora, os juízes conseguem perceber que muitos conflitos não reclamam um tratamento ou uma solução apenas jurídica; que uma sentença, por mais bem-elaborada que seja, pode ser incapaz de reconstruir laços rompidos, de provocar o arrependimento, de motivar o perdão ou de edificar a paz; podem compreender que os problemas levados ao judiciário reclamam, em muitas ocasiões, outras formas de tratamento, diversas do processo ou da sentença.
Nessa forma diferente de se pensar o Poder Judiciário, os processos, as sentenças e os juizes não são as únicas ferramentas para o tratamento c para a solução de um conflito. Nessa inovadora justiça, os juizes cedem lugar aos conciliadores, aos mediadores, aos facilitadores de Justiça restaurativa. As audiências formais são substituídas por boas rodadas de conversa. As sentenças que impunham obrigações abrem espaço aos acordos, aos termos de entendimento, aos compromissos voluntários e recíprocos.
Essa é a Justiça nascente, que queremos sedimentar neste novo milênio: uma Justiça promotora da paz social, próxima, acessível, desburocratizada, horizontal, rápida, eficiente. que tem voz e sabe ouvir, que olha bem nos olhos e se deixa ver, que acolhe com um sorriso, que dialoga, que estende as mãos e guarda a força do martelo exclusivamente para aqueles casos em que o sorriso, o diálogo e a mão estendida não frutifiquem.
Para a satisfação dos gaúchos, o TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) tem ocupado lugar de destaque no cenário nacional na promoção dessa nova justiça, ofertando conciliação, mediação e Justiça restaurativa às comunidades, possibilitando que as pessoas busquem a restauração da paz em suas relações junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, mesmo sem a necessidade de um processo tradicional e até mesmo fora dos ambientes dos foros, em escolas, centros comunitários, universidades, centros de referência em assistência social ou, ainda, alguns casos, virtualmente.
Que a Justiça do século 21, além de oferecer uma jurisdição eficiente, promova o entendimento entre as pessoas e realize a tão almejada pacificação social.