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Justiça, comunicação e artes: os desafios da defesa da liberdade e as ameaças da censura

Justiça, comunicação e artes: os desafios da defesa da liberdade e as ameaças da censura

Os desafios de promover a Justiça, disseminar a informação e cultuar a arte em um ambiente tomado pela disputa entre os valores da liberdade versus as imposições da censura foram debatidos na noite de quarta-feira (6/11) em um painel na Escola da Magistratura da AJURIS que reuniu especialistas das três áreas. 

O painel Liberdade x Censura: Artes, Comunicação e Justiça, promovido pela Escola da AJURIS e Grupo RBS, foi o primeiro evento público do projeto Escola 40 Anos, que celebra as quatro décadas da Escola a serem completadas em outubro de 2020. O encontro foi conduzido pelo jornalista Telmo Flor, diretor de Redação do jornal Correio do Povo, e contou com a saudação do diretor da Escola da AJURIS, Jayme Weingartner Neto, reforçando a disposição da instituição em cada vez mais abrir espaço para a discussão de ideias. 

A íntegra da saudação do diretor da Escola da AJURIS pode ser vista no link https://ajuris.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Jayme-Weingartner.pdf

Na abertura do painel, a visão da Justiça sobre o tema foi apresentada pela juíza de Direito Maria Cláudia Cachapuz. Doutora em Direito Civil, a magistrada lembrou que o grande desafio é compartilhar em um mesmo espaço público a liberdade de expressão e o direito à privacidade, duas garantias asseguradas no mesmo artigo da Constituição (o 5º), mas que em diversos momentos se mostram conflitantes, causando o que chamou de “colisão de liberdades civis”. “O pleno exercício de uma vai, por consequência, restringir a outra”, lembrou. 

Maria Cláudia disse considerar que sempre será possível estabelecer o limite entre ambas liberdades, desde que seja avaliado caso específico e consideradas “premissas previamente definidas”, em uma análise que será papel do Judiciário. Por fim, disse lamentar que, enquanto a sociedade avança para discutir as questões que envolvem as liberdades, precisa enfrentar ameaças como a volta do AI-5 (o ato institucional do governo militar que determinou o fim de todas as liberdades e garantias individuais na década de 60), numa alusão à recente declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL).

A análise do papel da imprensa e dos meios de comunicação na disputa entre liberdade x censura coube ao jornalista Marcelo Rech, vice-presidente Editorial e Institucional do Grupo RBS e presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ). O jornalista acrescentou mais uma dimensão ao debate: os acontecimentos do mundo real e do mundo virtual são avaliados de forma diferente pela sociedade. “Uma empresa profissional de comunicação é sujeita a regras e legislação e é cobrada, a partir delas, por sua atuação, dentro de um processo democrático. Na arena digital, qualquer pessoa cria seu site, instalada sua rádio ou faz transmissão por vídeo, disseminando qualquer tipo de conteúdo, sem nenhuma regulamentação”, disse Rech, considerando que dessa forma se cria um “mundo paralelo” na comunicação.

O presidente da ANJ lembrou do episódio ocorrido na Nova Zelândia, quando em março deste ano um atirador australiano invadiu duas mesquitas, matou 49 pessoas e feriu outras 48 usando armas de grande poder de fogo. Toda a ação foi transmitida ao vivo pela internet pelo próprio matador. “Como vamos agir em momentos assim? Não existe uma lei que regulamenta esse tipo de transmissão de conteúdo. Por isso a sociedade terá que encontrar essas respostas até para estar preparada para o que vem no futuro”, afirmou.

O diretor-curador do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), Francisco Dalcol, relatou como a questão liberdade x censura está impactando no campo da cultura e das artes. Dalcol listou uma série de episódios envolvendo, em diferentes cidades do Brasil, exposições e eventos artísticos que tiveram suas realizações prejudicadas (e, em alguns casos, impedidas) por conta de manifestações que chamou de “mobilização virtual promovida pelo discurso do ódio”. “Sempre que há censura se instala a supressão do direito do outro e, por consequência, um abalo de garantias constitucionais. E o mais grave: abre-se espaço para a perigosa censura moral no campo da cultura”, afirmou.

Dalcol disse considerar que os grupos se mobilizam a partir da estratégia de disseminar o pânico moral e não mostram interesse na “experiência do diverso que a arte propõe”. Para a plateia, relatou um caso que está enfrentando. O Margs prepara a exposição de peças do artista gaúcho Xico Stockinger. Antes de abrir o espaço ao público, Dalcol convidou um grupo de pessoas para fazer um teste a partir da observação do acervo. Ao final, dois convidados relataram preocupação com dois desenhos de pessoas nuas que integram a exposição. “Essa preocupação nunca foi uma questão de discussão, mas nesse ambiente ganhou uma importância a ser considerada”, afirmou, dizendo que, agora, o Margs estuda definir uma classificação etária para assistir à exposição.

Ao final do encontro, a professora Cristina Caldeira, investigadora de propriedade intelectual da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, apresentou um relato sobre as transformações tecnológicas e o desafios das reivindicações dos direitos autorais.

No encerramento, o jornalista Marcelo Rech fez um resumo das ideias que uniram Justiça, imprensa e arte na mesma noite. “O que temos em comum nessa mesa é que erramos muito, faz parte de nossos processos, mas todos aqui trabalham no ramo do acerto. É o acerto que procuramos a cada ação nossa. O que deve nos preocupar são os que atuam no ramo do erro e vivem disso”, afirmou.

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