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Jurista alemã fala do desafio das cortes europeias em acompanhar as mudanças dos padrões sociais

Jurista alemã fala do desafio das cortes europeias em acompanhar as mudanças dos padrões sociais

Um panorama da atuação da Corte Europeia de Direitos Humanos e o seu delicado relacionamento com as cortes dos países-membros marcou o painel da manhã desta quinta-feira (12/8) do XIV Congresso Estadual da Magistratura da AJURIS. A painelista foi a jurista alemã Angelika Nussberger, ex-presidente da corte e com extensa atuação na área dos Direitos Humanos em diferentes entidades da Europa.

Na primeira parte, Angelika contou a história da Corte Europeia: surgiu com dez países-membros a partir da divisão da Europa no pós-guerra entre a parte Ocidental e Oriental, respeitando os conceitos dos Direitos Humanos defendidos e praticados pelos países ocidentais. O objetivo, desde sua fundação, é evitar a volta do fascismo no continente. Em 1990, com a queda do Muro de Berlim, os países até então ligados ao lado oriental também passaram a integrar o tribunal. Hoje, são 47 nações representadas, todos Estados Membros do Conselho da Europa que ratificaram a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. A corte fica situada em Estrasburgo (França), e o grupo de juízes se divide em cinco seções, que analisam diferentes questões relacionadas a violações dos Direitos Humanos.

Na segunda parte da apresentação, a jurista alemã tratou mais do trabalho jurisdicional da corte e dos conceitos que adota. Explicou, por exemplo, que as questões levadas com maior frequência para análise são de origem civil ou criminal, com parte significativa dos processos questionando a demora da Justiça de determinados países em julgar questões domésticas. “As queixas são em relação à baixa velocidade do trabalho processual, o que é considerado por nós como uma violação dos Direitos Humanos”, afirmou. Outro assunto relevante, que a painelista disse ser semelhante ao cenário do continente americano, são as constantes denúncias de más condições de instalação e de alimentação dos presídios europeus.

Angélika explicou que a Corte Europeia considera a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, adotada pelos países do continente em novembro de 1950, como a base jurisdicional do seu trabalho, mas disse que o ordenamento é respeitado como um “instrumento vivo” que precisa ter seus princípios moldados com o tempo e com a mudança de comportamento e hábitos sociais. “Ela precisa ser interpretada com base na realidade social atual, e não nos anos 50”, afirmou. “A realidade das famílias, por exemplo, é diferente, há uma decisão revolucionária sobre o tratamento de crianças nascidas fora do casamento, que eram discriminadas em comparação com crianças dentro do casamento, e essas doutrinas são colocadas em relação a outras medidas hoje, sobre adoção homoafetiva, questões de transgêneros etc.”

Desafios dos juízes

Na parte mais delicada da questão, Angelika lembrou que o grande desafio dos juízes europeus é perceber o momento em que os padrões sociais mudaram, refletindo na interpretação da legislação em vigor, “pois os juízes precisam de argumentos para agir como juízes, e não como políticos ou novos legisladores”. Para enfrentar o dilema, a corte usa a tese do Consenso Europeu, ou seja, uma doutrina única vai se formando e sendo incorporada ao tribunal a partir de reiteradas decisões semelhantes nas cortes dos países-membros ou da criação de legislações específicas.

A jurista também explicou os dois princípios que devem ser praticados pelos países-membros da Corte Europeia. O primeiro é o da subsidiariedade, ou seja, o país precisa proteger os Direitos Humanos dentro de seu território. O segundo princípio é o da proteção efetiva, ou seja, essa proteção não pode ser apenas teórica, mas com medidas efetivas e colocadas em prática.

Na questão central do Congresso, o mundo pós-pandemia, Angelika disse que houve a prerrogativa de declarar emergência e reduzir o escopo de algumas proteções civis, e vários países-membros usaram isso no início da crise sanitária, e rapidamente retiraram a prerrogativa e voltaram para um critério de proporcionalidade, que dá prioridade ao direito à vida dentro de um sistema em relação a outros direitos básicos. Afirmou, no entanto, que as cortes nacionais não têm encontrado violações constitucionais nas medidas de controle pandêmico.

O painel foi coordenado pelo desembargador Ingo Wolfgang Sarlet. O segundo integrante do painel, o ex-presidente do Tribunal Constitucional do Peru César Landa, teve um imprevisto e não pôde participar ao vivo.