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José Aquino Flôres de Camargo aponta que o grande desafio do Poder Judiciário é a efetividade da jurisdição

José Aquino Flôres de Camargo aponta que o grande desafio do Poder Judiciário é a efetividade da jurisdição

O presidente do TJ/RS participou esta semana do
Especial XI Congresso Estadual de Magistrados.

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), José Aquino Flôres de Camargo, avalia o Poder Judiciário a partir da perspectiva proposta pelo tema do XI Congresso Estadual de Magistrados – Efetivar Direitos: O Desafio da Magistratura. Para o desembargador, “o grande desafio do Poder Judiciário é a efetividade da jurisdição”.  A avaliação é destaque da edição desta semana do Especial XI Congresso Estadual de Magistrados transmitido pela Radioweb AJURIS. O programa tem o objetivo de antecipar assuntos que estarão em pauta no evento promovido pela Associação e, com isso, estimular a apresentação de teses pelos magistrados.

Na entrevista concedida ao departamento de Comunicação da AJURIS, o magistrado, que presidiu a Associação no biênio 2002/2003, traça um panorama do atual momento do Poder Judiciário e fala sobre projetos em desenvolvimento pelo Tribunal gaúcho, como a ampliação dos Centros Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) pelo Estado e a implantação do projeto-piloto de audiências de custódia na Comarca de Porto Alegre.

A primeira edição internacional do Congresso será realizado entre os dias 24 e 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay. Informações sobre inscrição, transporte, programação e o regulamento estão disponíveis AQUI. Os magistrados podem enviar teses até o dia 10 de setembro.

O tema do Congresso Estadual de Magistrados neste ano será Efetivar Direitos: o desafio da Magistratura. Na sua opinião, quais são os principais desafios da Magistratura Estadual atualmente?

Existe uma série de fatores que merecem consideração. Mudou muito o perfil da jurisdição e as exigências, por consequência, do Poder Judiciário e dos seus magistrados e dos seus servidores. Aquela Justiça clássica, antiga, ainda existe, mas cedeu espaço a um organismo que precisa ser dinâmico, moderno, atento para a nova realidade. Eu diria que, assim como eu, muitos magistrados contemporâneos, fomos treinados para uma realidade que não existe mais, as mudanças foram extraordinárias e muito rápidas. Hoje o fenômeno da comunicação imediata, da internet, da automação da informação, a queda das barreiras entre os países fez com que houvesse outras necessidades. Eu diria até que, de certo modo, se deu o acesso à Justiça com essa massificação dos direitos, embora ainda tenhamos algum déficit nessa área. Mas o que a gente percebe é que, mais do que esse acesso, é preciso agora que as definições judiciais se tornem concretas. Acho que o grande desafio do Poder Judiciário, no momento, é a efetividade da jurisdição. E isso decorre de vários fatores. O primeiro deles é que, com essa massificação dos direitos, as pessoas ingressaram no Judiciário, o volume extraordinário de demanda estabeleceu uma sobrecarga e, essa sobrecarga, que foi imposta ao Judiciário, não teve um reflexo proporcional em seu tamanho, em seu orçamento, e nem poderia, porque nós estamos vivenciando tempos de crise. Então, nós precisamos nos preparar do ponto de vista tecnológico, o que temos feito, mas com nossas dificuldades orçamentárias. Aliado a isso, a gente percebe também que os nossos quadros vão aumentando justamente pelas dificuldades, até porque o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul tem uma gestão muito responsável do ponto de vista financeiro dentro da lógica de um orçamento escasso de um Estado que tem dificuldades econômicas que são do conhecimento de todos. Mesmo que a gente tenha trabalhado muito no fluxo dos nossos processos, na modernização do aparelho judiciário, nós não conseguimos acompanhar essa necessidade que é visível. Muito isso se deve também ao fato de que o Judiciário é demandado em questões que não deveriam ser suas do ponto de vista primário, era preciso que houvesse políticas públicas que tornassem concretos esses direitos. Quero me referir, de forma prática, a questões como a saúde pública, a questão das ocupações urbanas. Essas questões envolvem valores que dizem respeito à própria subsistência do indivíduo e, como não há uma solução para isso como políticas adequadas de parte dos entes públicos responsáveis de forma primária por esse problema, quem substitui isso é o Poder Judiciário. Tentando resumir, o Judiciário tem um papel extraordinário à sua frente. Eu acho que esse Congresso que a AJURIS lidera, promove, tem como tema algo extraordinário, ou seja, discutirmos a nossa própria atividade e o rumo que ela vai ter. Às vezes, esquecemos que os desafios da nação passam pelo Poder Judiciário. E o Poder Judiciário, nesse contexto, tem que ser exemplar. Temos que ser referências do ponto de vista de gestão, temos que dar exemplo de austeridade, de espírito público.

O fato de o Judiciário precisar se ocupar de questões que não são suas acontece pela ineficiência do Poder Público?

Essa falta de políticas públicas por parte do Poder Público, aliás aqui um registro, o Poder Público de modo geral, nas suas três esferas, é o maior usuário do Poder Judiciário. É quem mais demanda, seja como autor ou seja como réu. Então, é meio paradoxo. Ao mesmo tempo em que se disputa orçamento, em que se discute recursos para manter a máquina do Poder Judiciário, exigisse mais e mais do Poder Judiciário. Essa é uma lógica que nós não temos uma solução e que precisa ser adequado isso. O ideal é que o Judiciário não precisasse crescer da forma como cresce. Mas a realidade é que pela falta de iniciativas por parte de quem tinha a responsabilidade ou dever de assim proceder, cabe ao Judiciário uma resposta. Cada vez mais nós estamos substituindo outros em seus deveres. Mas também, do ponto de vista do sistema, a coisa mudou muito. Nós estávamos acostumados com uma Justiça clássica, formal, cada vez mais nós estamos abrindo espaço para outras formas, outros sistemas. O melhor exemplo disso foi o crescimento dos Juizados Especiais. Agora, uma realidade para a qual nós temos que nos atentar é que o juiz não é simplesmente aquele que decide um conflito individual ou entre coletividades, ele é muito mais que isso. A missão do juiz, o desafio dele, é promoção da paz social. Então, aquele juiz antigo, que foi treinado simplesmente para a resolução de conflitos, como é o meu caso, a minha geração foi treinada no sentido de conhecer o Direito positivo, de buscar solução para os conflitos, hoje nós temos que buscar mais do que isso. Temos que buscar não apenas o juiz que conheça o Direito positivo, que tenha soluções jurídicas para os conflitos. Temos que buscar um juiz que tenha capacidade de mediar conflitos, de aproximar as partes. Não é suficiente mais que se dê uma definição dispositiva, ou seja, eu digo que esse direito é de A e não de B, ou quem tem razão é o A ou o B. Isso, muitas vezes, resolve o conflito do ponto de vista formal, mas a disputa continua, porque não raramente as pessoas não se sentem acolhidas pela Justiça.

Qual a importância dos modelos de autocomposição de conflitos nesse contexto?

É fundamental hoje. Nós precisamos trazer esses valores para dentro do Judiciário porque, na realidade, a massificação dos conflitos exige que tenhamos alternativas para que as pessoas sejam de alguma forma atendidas pela jurisdição estatal.

Nesse sentido, o Tribunal tem implantado Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) por todo o Estado.

A nossa ideia é que cada Comarca tenha o seu Cejusc. Nós estamos priorizando que ao menos um servidor por Comarca esteja treinado e habilitado para ser um mediador. Possivelmente, esse servidor junto com um dos juízes deve ser o ponto de partida para a gente estabelecer toda a estrutura que é necessária. Nós partimos das nossas limitações para tentar atender a essas questões.

Com relação ao aprimoramento do Judiciário, inicia no final deste mês o projeto-piloto de audiências de custódia. Qual a sua expetativa quanto a esse projeto?

Esse projeto tem uma relevância extraordinária. Nós temos uma precariedade muito grande na área penitenciária. As audiências de custódia tornam efetivos direitos que foram proclamados na Constituição: direito a dignidade no cumprimento da pena e o direito de ter assistido em todos os atos quanto ao sujeito é imputada a prática de um crime, porque ele não pode nem ser considerado réu, pode ser considerado, quando muito, suspeito. Na realidade, nós temos que ter a cultura de que o cidadão deve ser respeitado em todos esses momentos. E o Estado, através da figura do juiz, ter acesso ao preso tão logo ele é apresentado como alguém que de alguma forma deve responder por um ato supostamente que lhe é imputado é da mais alta significação. A nossa expectativa é que, inclusive, isso ajude a reduzir um pouco a incidência de presos nas nossas casas carcerária. A nossa população carcerária tem crescido de forma assustadora e os nossos presídios, lamentavelmente, por carência daquelas políticas públicas que se reclama, ao invés de atenderem a função primeira de qualquer pena, que é de ressocializar e reeducar o indivíduo, estão incluindo o preso no crime organizado. Hoje, as nossas casas penitenciárias, até pelo sufoco, pela quantidade de pessoas, pela falta de controle do Estado, elas se tornaram um território, sob o comando das estruturas criminosas. É preciso que o Estado, com muita agilidade, retome isso e, para retomar isso, é preciso desocupar essas grandes casas carcerárias, trabalhar em presídios menores, em reclusão do preso próximo do seu ambiente, onde ele possa ter acesso à sua família, às suas relações, para que com muito esforço da comunidade se consiga recuperar o indivíduo.

Confira a entrevista na íntegra:

 

 

 

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