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A relevância da neutralidade religiosa do Estado, por Roberto Coutinho Borba

A relevância da neutralidade religiosa do Estado, por Roberto Coutinho Borba

A decisão prolatada pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nesta semana, no sentido de determinar a retirada de crucifixos e vedar a exposição de qualquer sorte de símbolo religioso nos prédios do Poder Judiciário local, ganhou amplo espaço na imprensa nacional.

Em que pese, a decisão tenha sido majoritariamente compreendida e até incensada, sucederam-se críticas nos setores mais conservadores da sociedade. E tais críticas oscilaram daquelas de conteúdo mais raso, como o argumento de que o Poder Judiciário teria assuntos mais importantes a tratar, àquelas de caráter mais elaborado e profundo, como por exemplo, o argumento daqueles que aventam da necessidade de tolerância à crença religiosa prevalente na sociedade brasileira, na hipótese, o Cristianismo, cujo símbolo exponencial foi expressamente aludido no julgado, o crucifixo.

Diante desta perspectiva, de proêmio, entendo que não há como admitir que a temática tratada no julgado não ostentaria relevância suficiente para ser objeto de discussão pela Corte Estadual. Neste particular, a matéria tem implicação constitucional. É que a nossa Carta Magna é expressa em estatuir a laicidade estatal, impondo dever de neutralidade nas questões religiosas: o Estado Brasileiro não professará, não subvencionará, tampouco proibirá ou se imiscuirá em qualquer questão atinente à fé.

Outrossim, não se está a perquirir de mera remoção de um objeto desprovido de significado. A utilização de um crucifixo, como a de qualquer símbolo religioso outro, importará sempre na divulgação de uma crença, que é revestida de uma ideologia, de um modo de pensar a existência, enfim, importa toda espécie de repercussão no pensamento e comportamento humano. Não soa razoável, portanto, que o Poder Judiciário, que tem na imparcialidade seu atributo mais colimado, exponha símbolos de uma ou de outra crença, pena de incutir sensação de desprestígio aos jurisdicionados praticantes de crenças dissonantes, ou mesmo aos ateístas e agnósticos.

De outro turno, tenho que não se justifica a ideia de que a tradição cristã e a ampla prevalência dos seus adeptos no País possa autorizar que o Poder Judiciário desconsidere o mandamento constitucional da secularização. Democracia não se confunde com ditadura das maiorias. Liberdade de credo importa em tolerância às crenças minoritárias e até mesmo aos que em uma divindade não creem. Daí a importância de o Estado atuar de maneira modelar, despojando-se de qualquer preferência e, por meio da abstenção, elucidar sua neutralidade, o que colaborará para que a noção de tolerância seja assimilada por toda a sociedade.

Enfim, o que se percebe é que a decisão do Tribunal Gaúcho oferta concretude a um mandamento constitucional fundamental, não importando em repulsa aos que professam o Cristianismo ou qualquer outra religião. Tal postura não revela adesão ao ateísmo ou agnosticismo. Esta decisão, em verdade, presta-se a descortinar lindes claros e precisos da neutralidade religiosa imposta pela Constituição Federal à Administração Pública.

 

 

Roberto Coutinho Borba é Juiz de Direito na 2ª Vara Criminal de Alvorada e subdiretor do Departamento de Valorização Profissional da AJURIS.

Publicado no jornal O Sul do dia 12/3/2012.