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Órgão Especial concede promoção “pós-mortem” a magistrado afastado durante a Ditadura Militar

Órgão Especial concede promoção “pós-mortem” a magistrado afastado durante a Ditadura Militar

Em decisão histórica, Tribunal de Justiça reforma ato de aposentadoria de Hugolino de Andrade Uflacker.

Em decisão histórica, nesta segunda-feira (24/8), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça retificou o ato de aposentadoria e promoveu post mortem ao cargo de desembargador o magistrado Hugolino de Andrade Uflacker, assim como a inclusão de seu nome no rol de desembargadores. Aposentado com fundamento em Ato Institucional, em 8 de outubro de 1964, Uflacker foi afastado de forma compulsória durante a Ditadura Militar “por ter tentado contra o regime democrático”, conforme consta no Diário Oficial do Estado daquele ano. A expressão foi retirada do ato da aposentadoria por decisão do Órgão Especial.

O presidente da AJURIS, Eugênio Couto Terra, que acompanhou a sessão, saudou a decisão do Órgão Especial. “Essa iniciativa engrandece o Judiciário gaúcho.”

O 1º vice-presidente do TJ/RS, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, relator do processo, afirma que há nesta decisão o sentimento de pagamento de uma dívida histórica. “Não há qualquer decisão sobre a questão pecuniária, isso foi resolvido em vida. Há, sim, o sentimento de correção de uma injustiça”, declara.

Uflacker foi o único magistrado do Estado a ser afastado durante a Ditadura. No voto, encaminhado pelo desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal, relator do processo encaminhado na Comissão de Direitos Humanos do TJ, em 2014, o desembargador Difini, que preside esta Comissão, aponta que a promoção a desembargador, que não foi permitida em carreira, e a homenagem aos familiares, permitem a construção de uma memória política e o reconhecimento do aspecto desumano e cruel do período de autoritarismo, para que tal cenário não venha a se repetir. “A preservação digna da memória do magistrado terá o condão de minimizar os mais de cinquenta anos de omissão do Judiciário, no tocante à injustiça de que fora vítima Hugolino de Andrade Uflacker”, escreve.

Trecho da dissertação de mestrado de pós-graduação em História, de Jaime Valim Mansan, pela PUC/RS, em 2009, em que há o resgate histórico e depoimentos de familiares e alunos de Uflacker, foi citado na leitura do voto.

O texto aponta aquelas que podem ter sido as causas para a aposentadoria compulsória. Uflacker foi juiz de Direito por 22 anos. A partir do Ato Constitucional nº 1, que suspendeu por seis meses as garantias de vitaliciedade e estabilidade, teve a carreira interrompida com base em investigação sumária. O magistrado, também professor na Universidade Federal de Pelotas e afastado de igual maneira, proferiu liminar – depois cassada pelo TJ – permitindo manifestações de estudantes por direitos sociais. Foi acusado, então, de ser apoiador de “atividades subversivas”. No entanto, apesar das convicções de que algumas soluções para o Brasil na época só seriam alcançadas a partir da igualdade social, nunca teve filiação político-partidária, nem comprovadas atividades de caráter ilícito.

O processo de revisão da aposentadoria compulsória foi iniciado pela Comissão de Direitos Humanos do TJ, em 2014. O desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal foi o relator do processo, que, conforme expôs em seu voto, mesmo sem conhecer pessoalmente o colega Uflacker, sabia do seu reconhecido preparo, “muito humano e que tinha uma visão crítica dos fatos de modo orgânico e tinha, obviamente, suas convicções políticas, institucionais e ideológicas”. Caníbal alegou, ainda, que essa inconformidade era uma chaga no Poder Judiciário. “O meu voto é nesse sentido, retirar essa chaga do Poder Judiciário, muito embora se saiba que pouca coisa, em termos reais e materiais, posa ser feita, mas pelo menos temos que tentar, junto à Administração, alguma coisa a respeito e sob a ótica do conceito dessa Comissão de Direitos Humanos, que envolve direitos fundamentais insertos na atual Constituição Federal e garantidos por nosso Poder Judiciário.”

 

Texto: Cristofer de Mattos
Departamento de Comunicação
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