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Causa e Condição, por José Nedel

Causa e Condição, por José Nedel

Artigo de autoria do juíz de Direito e professor aposentado, escritor, bacharel em Letras Clássicas, Direito e Filosofia e Mestre e Doutor em Filosofia,  José Nedel. 

 

1 – Suzana Herculano-Houzel, bióloga e neurocientista, professora da UFRJ, à frente do Laboratório de Neuroanatomia Comparada do Instituto de Ciências Biomédicas, ministrou palestra na UFRGS, em 28-9-15, como parte da programação do evento Fronteiras do Pensamento. Na oportunidade, desenvolveu o tema “O que torna o cérebro humano notável, mas não especial?”, destacando questionamentos que, durante a última década, procurou responder, ao comparar o cérebro humano com o de outras espécies.

Segundo ela, o nosso cérebro tem 86 bilhões de neurônios, 16 bilhões no córtex, o resto no cerebelo. O do elefante, três vezes maior que o humano, tem três vezes mais neurônios, dos quais 98% estão no cerebelo. Seu córtex, duas vezes maior que o nosso, em número de neurônios tem apenas um terço do córtex humano. Daí a conclusão: “O parâmetro de fato importante para a capacidade cognitiva de uma espécie não é o tamanho do cérebro, mas o número de neurônios no córtex cerebral… A razão de a gente fazer tudo que faz depende de biologia, mas sobretudo da tecnologia que desenvolve, dos recursos, das maneiras, dos objetos, dos sistemas que permitem a nossa espécie usar esse cérebro de maneiras diferentes” (ZH, 30-9-15, p. 28).

Ao anunciar sua palestra pela imprensa, a bióloga afirmou: “Temos o maior número de neurônios no córtex cerebral de qualquer espécie. Como o córtex é a base das capacidades cognitivas superiores, como raciocinar, detectar padrões e fazer previsões para o futuro, proponho que esse número maior de neurônios é a explicação mais simples para o que distingue a capacidade cognitiva humana” (ZH, 28-9-15, p. 33).

2 – Algumas ponderações. A capacidade cognitiva superior do ser humano depende da complexidade do cérebro, especificamente dos neurônios. Essa dependência, porém, não é a de causa e efeito, mas a de condição e condicionado. A diferença é sutil, escapando às lâminas e lentes da ciência experimental, acessível que é somente à reflexão metafísica.

Condição não produz efeito, mas permite que a causa o produza. Colabora com ela, removendo obstáculos ou garantindo circunstâncias favoráveis a sua atuação. O cérebro com seus neurônios, na qualidade de condição, não causa as funções cognitivas superiores ou, dito de modo sintético, o pensamento. Sequer poderia fazê-lo, pela diversidade radical de sua natureza: matéria extensa (cérebro) não poderia produzir efeito inextenso, imaterial, espiritual (pensamento), como do menos não emerge o mais, ex vi do princípio metafísico da causalidade.

A causa do pensamento é o espírito, a alma, o nous que, segundo Aristóteles, com a concordância de toda a filosofia perene, não está situado em linha de continuidade da matéria mesmo viva, mas “vem de fora”, origina-se de causa transcendente. Esse assunto, longe da alçada da ciência positiva, tem tratamento exaustivo na antropologia filosófica.

Causa adequada do pensamento humano é a psyché, a alma, o espírito. O cérebro é sua condição. Isso explica, de um lado, a transcendência da vida psíquica superior em face de sua base orgânica. E, de outro, a íntima união entre corpo e alma, matéria e espírito, cérebro e pensamento. A independência intrínseca da parte espiritual do composto humano (alma) em face da parte material e orgânica (corpo), porém, não exclui sua dependência extrínseca, pois necessita de condições adequadas para atuar, em decorrência da condição hilemórfica (composição de matéria-corpo e forma-alma).

O cuidado que se há de ter, então, preservada a distinção entre condição e causa, é o de não entender que o “número maior de neurônios” seja a “explicação” total ou adequada da “capacidade cognitiva humana”. Esse número entra na explicação como coadjuvante, permitindo que a verdadeira causa produza o efeito. Representa uma “explicação mais simples” do pensamento, como esclareceu Suzana Herculano-Houzel, aliás, a única acessível ao cientista ou “físico”. A explicação completa ou adequada só é alcançável à luz da metafísica.

3 – Conclusão. A redução da condição à causa e, pois, do pensamento ou da atividade cognitiva humana ao cérebro, do espiritual ao material e orgânico, resulta de visão empobrecedora do ser humano, nivelado por baixo, visto como apenas gradualmente superior aos animais não humanos. Essa perspectiva tem sido proposta reiteradas vezes por correntes materialistas (cientificistas, biologistas), ao longo da história do pensamento, nunca tendo oferecido explicação satisfatória ou adequada do ser humano, “animal racional” e, pois, social, livre, religioso, simbólico, estético, etc.

O homem já foi definido como “a maior maravilha da natureza” (Sófocles, Antígona, vers. 334), “a obra-prima do mundo” (Shakespeare, Hamlet), “um pouco inferior aos anjos” (Sl 8, 6). Entre ele e os demais viventes da criação há um abismo intransponível, cabal descontinuidade, distinção radical, por força da presença em sua natureza de um princípio espiritual, detectável não pela ciência positiva (biologia, neurociência), mas por um saber mais alto, metafísico. Daí a verdade profunda da proclamação de Julian Huxley: Man stands alone! O ser humano é incomparável, singular em face dos demais viventes da natureza, ocupando um lugar ímpar no universo. Em verdade, sob esse aspecto, ele está só!

 

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